Com Os Dentes Cravados Na Memória
Relatório
I
na sala ficaram cacos de pratos
espalhados pelo chão. pedaços do corpo retidos
entre o corredor, após o interrogatório.
um cheiro forte de pólvora e mijo
misturados a dois ou três dias sem banho
depois de feito sexo.
só o fogo da verdade exalando odor e raiva
quando em verde, conspiravam contra nós.
em são cristóvão o gasômetro vomitava
um gás venoso nos pulmões já cancerados
nos quartéis da cavalaria.
II
me lembro.
o sentimento era náuseas, nojo, asco,
quando as botas do carrasco
bateram nos meus ombros com os cascos.
jamais me esquecerei o nome do bandido
escondido atrás dos tanques
e
se chamavam:
Dragões da Independência
e a gente ali na inocência.
comendo estrumes. engolindo em seco
as feridas provocadas por esporas.
aguentando o coice, o cuspe,
e
a própria ira
dos animais de fardas
batendo patas sobre nós.
III
com a carne em postas sobre a mesa,
o couro cru, o coração em desespero,
o sangue fluindo pelos poros, pelos pelos.
eu faço aqui
meditações sobre o presente
re cri ando
meu futuro.
tendo o corpo em cada porta
e a cara em cada furo.
tentando só/erguer
as condições pra ser humano
visto que tornou-se urbano
e re-par-tiu-se
em mil pedaços
visto que do sobre-humano
restou cabeça, pés, e braços.
Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva – 1987
O poeta Enquanto Coisa
Nenhum comentário:
Postar um comentário