Juras secretas de um trovador contemporâneo
“Só uma palavra me devora / Aquela
que meu coração não diz”. Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da
compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do
público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e
faz emergir Juras Secretas, décimo
terceiro livro do poeta Artur Gomes. Não que haja intertextualidade explícita
entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das
principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro cru & Carne viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
E é com furor canibalesco que se
nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à
leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald
Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz
para permitir que a poesia o diga. Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são
signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e
que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As
alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o
desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de
lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca
fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga
risse
olhando em nós flechas de fogo se
existisse
por onde quer que eu te cantasse ou
Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas
que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil
afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na
estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se
materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do
quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens
estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem
(Uenf).
Professor de Literatura do IFF –
Doutor em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG
fotos: Alice Maria Diniz
Transepoéticas I Festival de Brasília da poesia
brasileira e Sax Blues Poesia
Museu da República – Brasília – junho
de 2018
leia mais em
https://fulinaimicamente.blogspot.com/
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