quinta-feira, 31 de março de 2022

Coletânea Poetas Vivos


Dê livros

Dê Lírios

Dê Beijos

 Doações para Biblioteca Bracutaia – endereço: Ong Beija Flor – Casa da Solidariedade – Rua Ari Parreira, 26 – Barra Velha – Gargaú – São Francisco do Itabapoana-RJ – 28230-000

 

era uma vez um mangue

por onde andará Macunaíma

na sua carne no seu sangue

 

na medula no seu osso

será que ainda existe algum

vestígio de Macunaíma

na veia do teu pescoço?



cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

Torquato Neto

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NÃO HÁ VAGAS

O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.

Não cabem
no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila
seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

— porque o poema,
senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

 

Ferreira Gullar

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1º de Abril


telefonaram-me
avisando-me
que vinhas.
na noite uma estrela
ainda brigava
com a escuridão.

na rua
sob patas
tombavam
homens indefesos.

esperei-te 20 anos
e até hoje
não vieste
à minha porta.



Artur Gomes

Do livro Suor & Cio – 1985

www.suorecio.blogspot.com

Pátria A(r )mada – 2019

www.arturgumesfulinaima.blogspot.com

 

clic no link para ver o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=JVefD4eS2kY



alguns se sentem salvos

abrigados no templo

perdem tempo com teorias
amargos e santificados

e apontam dedos
aos que não se arrependem de viver

aos que dançam de mãos dadas
com suas loucuras

aos que lambem os dedos
lambuzados com delícias

aos que acreditam em pequenos milagres
vindos do esgoto a céu aberto

aos que tiram o dia para chorar
amam na cama, na mesa ou no chão

aos que gostam do corpo, da pele, do cheiro e do gozo
aos que pulsam sem o prazer das carícias

aos que vivem e vibram com vida solta
livres, generosos e sem cabrestos

aos que se dão conta da sua liberdade
é meio caminho andado

(cuidem-se então
e sejam Mestres para si mesmos)

um dia, mais cedo ou mais tarde
todos chegam ao fim da linha

Poema de Benette Bacellar - 2022
Laura Makabresku Art



POEMA PARA MARIELLE FRANCO

 (rascunhado na noite de sua brutal execução)

 

certeiros, os projéteis 

                  da janela

                  da mira

                  do gatilho

atingem o alvo

 

calculadas, as balas 

                     na cabeça marcada

                     na mente visada

                     na ação inadequada 

cumprem a função de calar

 

não foi apenas o sangue

jorrado na execução 

não foi apenas a carne

(negra, para não fugir das estatísticas)

caça abatida no voo, ração 

provimento dos sem razão 

 

ali, naquele automóvel 

ensanguentado

e

incômodo 

foi abatida a utopia

        calada uma voz que era de muitos

        derrubado o pilar da esperança 

        executada a possibilidade de redenção 

 

Dalila Teles Veras

 [14.03.2018]

 (* poema do livro 'Tempo em fúria', p. 11)

 

No porão


Minha mãe na máquina debruçada
costurava vestidos
e eu, menina, sonhava

Meu avô
do alto dos seus bigodes
parecia parecia sorrir
no seu retrato pintado
por um artista lambe-lambe

A vida corria serena
e eu, menina, sonhava

Hoje
o retrato do meu avô
descansa, inglório
no porão

Dalila Teles Veras

[À janela dos dias
poesia quase toda]

 

                            Cântico dos Cânticos                               Para Flauta e Violão

 oferta:

 

saibam quantos este meus versos virem

que te amo

do amor maior

que possível for

canção e calendário

sol de montanhas

sol esquivo de montanhas

felicidade

teu nome é

Maria Antonieta D´Alkmin

no fundo do poço

no cimo do monte

no poço sem fundo

na ponte quebrada

no rego da fonte

na ponta da lança

no monte profundo

nevada

entre os crimes contra mim

Maria Antonieta d´Alkmin

felicidade forjada nas trevas

entre os crimes contra mim

Maria Antonieta d´Alkmin

não quero mais as moreninhas de Macedo

não quero mais as namoradas

do senhor poeta

Alberto d´Oliveira

quero você

não quero mais

crucificadas em meus cabelos

quero você

não quero mais

a inglesa Elena

não quero mais

a irmã na Nena

não quero mais

a bela Elena

Anabela

Ana Bolena

quero você

toma conta do céu

toma conta da terra

toma conta do mar

toma conta de mim

Maria Antonieta d´Alkmin

e se ele vier

defenderei

e se ela vier

defenderei

e se eles vierem

defenderei

e se elas vieram todas

numa guirlanda de flechas

defenderei

defenderei

defenderei

cais da minha vida

partida sete vezes

cais da minha vida quebrada

nas prisões

suada nas ruas

modelada

na aurora indecisa dos hospitais

bonançosa bonança

convite

escuta este verso

que eu fiz para você

para que todos saibam

que eu quero você

imemorial

gesto de pudor de minha mãe

estrela de abas abertas

não sei quando começou em mim

em que idade

em que eternidade

em que revolução solar

do claustro materno

eu te trazia no colo

Maria Antonieta d´Alkmin

te levei solitário

nos ergástulos vigilantes da ordem intraduzível

nos trens de subúrbio

nas casas alugadas

nos quartos pobres

e nas fugas

cais da minha vida errada

certeza de corsário

porto esperado

coral caído

do oceano

nas mãos vazias

das plantas fumegantes

mulher vinda da china

para mim

vestida de suplícios

nos duros dorsos da amargura

para mim

Maria Antonieta d´Alkmin

teus gestos saiam dos borralhos incompreendidos

que tua boca ansiosa

de criança repetia

sem saber

teus passos subiam

das barrocas desesperadas

do desamor

trazia nas mãos

alguns livros de estudante

e os olhos finais da minha mãe

alerta

lá vem o lança-chamas

pega a garrafa de gasolina

atira

eles querem matar todo amor

corromper o pólo

estancar a sede que eu tenho de outro ser

vem de flanco, de lado

por cima, por trás

atira

atira

resiste

defende

de pé

de pé

de pé

o futuro será de toda humanidade

fabulário familiar

se eu perdesse a vida

no mar

não podia hoje

te ofertar

os nevoeiros, as forjas, os Baependis

acalanto

acuado pelos moços de forcado

flibusteiro

te descobri

muitas vezes pensei que a felicidade sentasse à minha mesa

que me fosse dada no locutório dos confessionários

na hipnose das bestas feras

no salto-mortal das rodas gigantes

ela vinha intacta, silenciosa

nas bandas de música

que te anunciaram para mim

Maria Antonieta d´Alkmin

quando a luta sangrava

nas feridas que sangrei

com alfinete na cabeça te deixei

adormecida

no bosque

te embalei

agora te acordei

relógio

as coisas são

as coisas vêm

as coisas vão

as coisas

vão e vem

não em vão

as horas

vão e vem

não em vão

compromisso

comprarei

o pincel

do Douanier

para te pintar

levo

pro nosso lar

o piano periquito

e o reader ´s digest

para não tremer

quando morrer

e te deixar

eu quero nunca te deixar

quero ficar

preso ao teu amanhecer

dote

te ensinarei

o segredo onomatopaico do mundo

te apresentarei

Thomas Morus

Federico Garcia Lorca

a sombra dos enforcados

o sangue dos fuzilados

na calçada das cidades inacessíveis

te mostrarei meus cartões-postais

o velho e a criança dos jardins públicos

o tutu de dançarina sobre um táxi

escapados ambos da batalha do Marne

o jacaré andarilho

a amadora de suicídios

a noiva mascarada

a tonta do teatro antigo

a metade da Sulamita

a que o palhaço carregou no carnaval

enfim, as dezessete luas mecânicas

que precederam teu arrebol

marcha

todos virão para o teu cortejo nupcial

a princesa Patoreba

coroada de foguetes

a senhora Dona Sancha

que todos querem ver

o tangolomango

e seus mortos mastigados

nas laboriosas noites processionais

todos comparecerão

o camarada barbudo

o bobo-alegre

o salvado de diversos pavorosos incêndios

o frade mau

o corretor de cemitérios

e onde esciver

o Pinta-Brava

meu irmão

Tatá, Dudu, Popó, Sici, Lelé

não quero sombra de cera

nem noite branca de reza

quero o velório pretoriano

de Sócrates

não o bestiário

de Casanova

não quero tochas

não quero vê-las

Tatá, Dudu, Popó, Sici, Lelé

o tio da América

a igreja da Aparecida

o duomo de Milão

o trem, a canoa, o avião

Tudo darei às mesas anatômicas

do mastigador de entranhas

himeneu

para teu corpo

construirei o dossel

abrirei a porta submissa

ligarei o rádio

amassarei o pão

black-out

girafas tripulantes

em pára-quedas

a mão do jaburu

roda de mulher que chora

o leão dá trezentos mil rugidos

por minuto

o tigre não não é mais fera

nem borboletas

nem açucenas

a carne apenas

das anêmonas

na espingarda

do peixe espada

trasncontinental ictiossauro

lambe o mar

voa, revoa

a moça encastra

enforca, empala

à espera eterna

do Natal

desventra o ventre donde nasceu

a neutra equipe

dos sem luar

no fundo, fundo

do fundo do mar

da podridão

as sereias

anunciarão as searas

mea culpa, lear

na hora do fantasma

entre corujas

Jocasta soluçou

o palácio de fósforo

múltiplas janelas

desmaiou

- por quê calaste os sinos?

meu filho filho meu

- dei, dei, dei

- onde puseste os reinos e as vitórias?

que estranha serenidade prometias?

- era ururpação, paguei

- passaste fome?

- muitas vezes comi as marés de meu cérebro

encerramento e gran-finale

nada te sucederá

porque inerme deste o teu afeto

no soco do coração

te levarei

nas quatro sacadas fechadas

do coração

deixei de ser o desmemoriado das idades de ouro

o mago anterior a toda cronologia

o refém de Deus

o poeta vestido de folhagem

de cocos e de crânios

Alba

Alfaia

Rosa dos Alkmin

dia e noite do meu peito que farfalha

a teu lado

terei o mapa-múndi

em minhas mãos infantes

quero colher

o fruto crédulo das semeaduras

darei o mundo

a um velho de juba

a seu procurador mongol

e a um amigo meu

com quem pretenderam

encerrar o sol

viveremos

o corsário e o porto

eu para você

você para mim

Maria Antonieta D´Alkmin

para lá da vida imediata

das tripulações de trincheira

que hoje comigo

com meus amigos redivivos

escutam os assombrados

brados de vitória

de Stalingrado

 

Oswald de Andrade

 


Fulinaíma MultiProjetos

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

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