OSWALD,
A UTOPIA DO MATRIARCADO E O FIM DA MACHONARIA
Por Ademir Assunção
Relendo A Utopia Antropofágica, especialmente os
dois ensaios A Crise da Filosofia Messiânica e A Marcha das Utopias, não tem
como não notar: Oswald de Andrade é o mais visionário, radical e avançado dos
nossos pensadores modernistas. Sem data de validade vencida.
Suas especulações sobre o matriarcado e o
patriarcado não se fixam meramente no “empoderamento da mulher” – termo em moda
e ainda combatido pelos espíritos mais obtusos.
Na visão do antropófago de ótima dentição, o
matriarcado é algo muito mais radical e envolve, no mínimo, dois aspectos: o
filho de Direito Materno e o fim da família como a conhecemos hoje, com a
autoridade centrada na figura paterna. Com isso, a consequente extinção da
herança e da sociedade de classes.
Num resumo do resumo do resumo: com o filho de
Direito Materno e o fim da família como a conhecemos hoje, a criança passa a
ser filha ou filho de toda a espécie humana. Portanto, toda a espécie humana
passa a ser responsável por zelar por sua vida e seu desenvolvimento.
Isso não significa, obviamente, a quebra dos laços
físicos, afetivos e individuais com a mãe, em primeira instância, e com o pai.
Significa outro ordenamento social em que a espécie humana é responsável e
ligada diretamente a todos os seus indivíduos.
Com isso, não há mais sentido na manutenção da
herança e muito menos na sociedade dividida em classes – ideário que assusta
até mesmo muitas mulheres, aquelas que sentem horríveis calafrios diante da
perspectiva de perderem seus privilégios de classe, numa sociedade ainda
patriarcal.
Para Oswald, a restauração do matriarcado, presente
em quase todas as sociedades ancestrais, com a consequente derrocada do
patriarcado, é o grande conflito humano, mas a marcha está em curso e acabará
acontecendo – confirmando, por outro viés, as previsões de Marx.
O que Oswald talvez não pudesse prever no final dos
anos 1940 e início dos anos 1950, quando escreveu os dois ensaios, é que a
espécie humana, antes da confirmação das previsões, pudesse acabar consigo
mesma, em função dos que resistem a ferro, fogo, bala e bomba às mudanças
inevitáveis.
O que pode parecer simplório assim exposto soa
convincente ao extremo nos dois ensaios, apoiados em fartas referências
filosóficas, sociológicas, teológicas e históricas, e repletos de observações
agudas e fatalmente polêmicas:
“Não é novidade nenhuma dividirem-se os regimes
fundamentais pelos quais a humanidade se rege em Matriarcado e Patriarcado.
Aquele é o regime do Direito Materno e este o do Direito Paterno. Aquele tem
presidido à pacífica felicidade dos povos marginais, dos povos a-históricos,
dos povos cuja finalidade não é mais do que viver sem se meterem a
conquistadores, donos do mundo e fabricantes de impérios.”
“O professor italiano Ernesto Grassi, que nos tem
visitado, pende hoje para uma tese que realça as virtudes do Matriarcado,
principalmente as do a-historicismo, em face do descalabro a que nos vem
conduzindo o Patriarcado, cuja maior façanha é a descoberta da bomba de
hidrogênio e que tem como sua carta de identificação o capitalismo, desde as
suas formas mais obscuras e larvadas até a glória de Wall Street.”
“[Karl] Mannheim no seu detalhado trabalho
[Ideologia e Utopia] não esqueceu de assinalar os vícios de que geralmente se
recheia toda situação conservadora. Fala no ‘tipo de mentalidade ideológica’ a
que poderíamos chamar de ‘mentalidade hipócrita’ ou farisaica, que se
caracteriza pelo fato de que historicamente tem a possibilidade de descobrir a
incongruência entre as ideias e a própria conduta mas, em vez de fazê-lo, oculta
isso em benefício de interesses vitais ou emocionais.
Enfim, existe o tipo de mentalidade ideológica
baseado num engano deliberado, onde a ideologia deve ser interpretada como uma
mentira intencional.”
“A utopia é sempre um sinal de inconformação e um
prenúncio de revolta.”
Fulinaíma MultiProjetos
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