quarta-feira, 25 de maio de 2022

OSWALD, A UTOPIA DO MATRIARCADO E O FIM DA MACHONARIA - por Ademir Assunção

 

OSWALD, A UTOPIA DO MATRIARCADO E O FIM DA MACHONARIA

 Por Ademir Assunção

 Relendo A Utopia Antropofágica, especialmente os dois ensaios A Crise da Filosofia Messiânica e A Marcha das Utopias, não tem como não notar: Oswald de Andrade é o mais visionário, radical e avançado dos nossos pensadores modernistas. Sem data de validade vencida.

 Suas especulações sobre o matriarcado e o patriarcado não se fixam meramente no “empoderamento da mulher” – termo em moda e ainda combatido pelos espíritos mais obtusos.

Na visão do antropófago de ótima dentição, o matriarcado é algo muito mais radical e envolve, no mínimo, dois aspectos: o filho de Direito Materno e o fim da família como a conhecemos hoje, com a autoridade centrada na figura paterna. Com isso, a consequente extinção da herança e da sociedade de classes.

 Num resumo do resumo do resumo: com o filho de Direito Materno e o fim da família como a conhecemos hoje, a criança passa a ser filha ou filho de toda a espécie humana. Portanto, toda a espécie humana passa a ser responsável por zelar por sua vida e seu desenvolvimento.

 Isso não significa, obviamente, a quebra dos laços físicos, afetivos e individuais com a mãe, em primeira instância, e com o pai. Significa outro ordenamento social em que a espécie humana é responsável e ligada diretamente a todos os seus indivíduos.

 Com isso, não há mais sentido na manutenção da herança e muito menos na sociedade dividida em classes – ideário que assusta até mesmo muitas mulheres, aquelas que sentem horríveis calafrios diante da perspectiva de perderem seus privilégios de classe, numa sociedade ainda patriarcal.

 Para Oswald, a restauração do matriarcado, presente em quase todas as sociedades ancestrais, com a consequente derrocada do patriarcado, é o grande conflito humano, mas a marcha está em curso e acabará acontecendo – confirmando, por outro viés, as previsões de Marx.

 O que Oswald talvez não pudesse prever no final dos anos 1940 e início dos anos 1950, quando escreveu os dois ensaios, é que a espécie humana, antes da confirmação das previsões, pudesse acabar consigo mesma, em função dos que resistem a ferro, fogo, bala e bomba às mudanças inevitáveis.

 O que pode parecer simplório assim exposto soa convincente ao extremo nos dois ensaios, apoiados em fartas referências filosóficas, sociológicas, teológicas e históricas, e repletos de observações agudas e fatalmente polêmicas:

 “Não é novidade nenhuma dividirem-se os regimes fundamentais pelos quais a humanidade se rege em Matriarcado e Patriarcado. Aquele é o regime do Direito Materno e este o do Direito Paterno. Aquele tem presidido à pacífica felicidade dos povos marginais, dos povos a-históricos, dos povos cuja finalidade não é mais do que viver sem se meterem a conquistadores, donos do mundo e fabricantes de impérios.”

 “O professor italiano Ernesto Grassi, que nos tem visitado, pende hoje para uma tese que realça as virtudes do Matriarcado, principalmente as do a-historicismo, em face do descalabro a que nos vem conduzindo o Patriarcado, cuja maior façanha é a descoberta da bomba de hidrogênio e que tem como sua carta de identificação o capitalismo, desde as suas formas mais obscuras e larvadas até a glória de Wall Street.”

 “[Karl] Mannheim no seu detalhado trabalho [Ideologia e Utopia] não esqueceu de assinalar os vícios de que geralmente se recheia toda situação conservadora. Fala no ‘tipo de mentalidade ideológica’ a que poderíamos chamar de ‘mentalidade hipócrita’ ou farisaica, que se caracteriza pelo fato de que historicamente tem a possibilidade de descobrir a incongruência entre as ideias e a própria conduta mas, em vez de fazê-lo, oculta isso em benefício de interesses vitais ou emocionais.

 Enfim, existe o tipo de mentalidade ideológica baseado num engano deliberado, onde a ideologia deve ser interpretada como uma mentira intencional.”

 “A utopia é sempre um sinal de inconformação e um prenúncio de revolta.”


Fulinaíma MultiProjetos

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

uma menina chamada Beth Araújo

  Esse espaço tem "mil"textos fantásticos. Poesia ? Prosa ? Não importa ! Imponderáveis,   não há como definí-los. A construção po...