quarta-feira, 18 de maio de 2022

Artur Gomes - 5 poemas do livro O Poeta Enquanto Coisa


Atentado poético

 

a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca

com meus dentes

língua/navalha
vou rasgar a tua roupa

para esse poema bomba
explodir na tua boca

 

o

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas
janelas de entradas e saídas
a sedução de dois olhos
em minha carne proibida
nem tanto pelo o que falo
nem tanto pelo que sinto
a vodka a cereja o conhac
o abismo  o labirinto

 

de pedra dourada
ficou um café orgânico
no teu sertão encantada
numa manhã de domingo
do outro lado da trilha
com tanta veraCidade
que me esqueci da idade
e me apaixonei por tua filha

 

de pedra dourada ficaram
olhos acesos do outro lado a janela
o espelho as contas de vidro
o jogo da sedução a maravilha
os passeios nas cachoeiras
os banhos de bar o carnaval
aquela delícia louca
o batom na minha língua
o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer a tua boca

 

bandeira nacional

 

com palavras
sons
imagens
versos
inauguro o monumento
no planalto central

 

araçá azul
domingo no parque
vapor barato
mal secreto

pérola negra
construção
cabeça Gothan City
poema concreto

 

arte poesia teatro cinema pós poema

terra em transe tropicália grande sertão
veredas vidas secas
memórias do cárcere

 

parangolés
hélio oiticica
artur bispo do rosário
bacurau

seja herói seja marginal

 

Beatriz a Faustino

 

pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos

 

pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua hora

 

tragédia infame

 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridos

os que não tem pela manhã café com pão

e sobre a mesa no almoço nem mesa

nem carne seca com farinha

 

espinha de peixe na garganta

é o que sobrou pra curuminha

 

empresto meu corpo minha voz

a esses personagens

os que tem sede  os que tem  fome

ou os que morrem assassinados

 

 

 

nos guetos  nos campos nas cidades

por balas de fuzil  está fudido o brasil

entregue as traças então me resta

exterminar o nome o sobrenome o apelido

do causador dessa desgraça

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

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