sábado, 14 de maio de 2022

Geleia Geral - Revirando A Tropicália - Roteiro Para Performance

 

Geleia Geral – ReVirando a Tropicália

Pátria A(r)mada -  Editora Desconcertos – 2019

https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/

 Prêmio Oswald de Andrade – UBE -Rio 2020

Segunda Edição ampliada – 2022

 Performance com o seu autor – Artur Gomes

 Roteiro

 Jura Secreta 43

 veraCidade 

por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus pés 
agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa  Caio Prado

Martins Fontes  um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire 
nem mofo de língua morta 
o correto deixei na Cacomanga 
matagal onde nasci 

com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 

 

Jura Secretas 13

 

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 

 

Jura Secreta 14

 

eu te desejo flores lírios brancos 
margaridas girassóis rosas vermelhas 
e tudo quanto pétala 
asas estrelas borboletas 
alecrim bem-me-quer e alfazema 

eu te desejo emblema 
deste poema desvairado 
com teu cheiro teu perfume 
teu sabor teu suor tua doçura 

e na mais santa loucura 
declarar-te amor até os ossos 

eu te desejo e posso : 
palavrArte até a morte 
enquanto a vida nos procura 

 

Jura Secreta 16

para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

 te anteviram 
no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 

 

Jura Secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pêlos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa

 

Jura secreta 29

 esfinge 

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 

 

Jura Secreta 45 

fulinaimagem

1

 

por enquanto 
vou te amar assim em segredo 
como se o sagrado fosse 
o maior dos pecados originais 

e minha língua fosse 
só furor dos Canibais 

e essa lua mansa fosse faca 
a afiar os versos que inda não fiz 
e as brigas de amor que nunca quis 

mesmo quando o projeto 
aponta outra direção embaixo do nariz 
e é mais concreto 
que a argamassa do abstrato 

por enquanto vou te amar assim 
admirando teu retrato 
enquanto penso minha idade 
e o que trago da cidade 
embaixo as solas dos sapatos 

2

o que trago 
embaixo as solas dos sapatos é fato 
bagana acesa 
sobra  do cigarro é sarro 

dentro do carro

ainda ouço Jimmi Hendrix 
quando quero 
dancei bolero

 sampleAndo rock and roll 

prá colher lírios 
há que se por o pé na lama 
a seda pura foto-síntese do papel 
tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana 
procuro um mix da guitarra de Santanna 
com os espinhos da Rosa de Noel 

 

Jura Secreta 48 

sagarínica  fulinaimânica 

não sou iluminista nem pretender 
eu quero o cravo e a rosa 
cumer o verso e a prosa 
devorar a lírica a métrica 
a carne da musa 
seja branca negra amarela 
vermelha verde ou cafuza 

eu sou do mato 
curupira carrapato 
sou da febre sou dos ossos 
sou da Lira do Delírio 
São Virgílio é o meu sócio 

Pernambuco Amaralina 
vida breve ou sempre vida/severina 
sendo mulher ou só menina 
que sendo santa prostituta 
ou cafetina devorar é minha sina 
e profanar é o meu negócio 

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

www.secretasjuras.blogspot.com

 

Inventário

 

come vento menina

come vento

não há mais metafísica no mundo

do que comer vento

tem de todas os sabores

amargo meio amargo

chocolate com café

sabe como é que  é

em meio a tanta crise

a gente inventa o vento que se quer

 

A poesia pulsa

Para Tanussi Cardoso

 

Aqui a poesia pulsa na veia no vinho no peito

no pulso na pele nos nervos nos músculos

nos ossos posso falar o que sinto posso sentir o que posso

 

aqui a poesia pulsa nas coisas nos códigos nos signos os significantes os significados


aqui
a poesia pulsa na pele da minha blusa

na íris dos olhos da minha musa toda vez que ela me usa nas iguarias de Bento quando trampo mais não troco quando troco mas não trapo

 nas pipas nos vinhedos nos arcos nas madrugadas dos bares sampleando  bolero in blues rasgado  num guardanapo

o poema pra Juliana escrito na cama do quarto no copo de vinho na boca de Vênus na bola da vez da sinuca sangrada pelo meu taco


aqui
a poesia pulsa nos cabelos brancos da barba nas gargalhadas de Bacca na divina língua de Baco

 

Afiando a Carnavalha

1

cocada agora só se for de coco

paçoca de amendoim

cigarro só se for de palha

cacique só se for da mata

linguagem só tupiniquim

bala agora só se for de prata

água só se aguardente

tônica só se for com gim

estado só se for de surto

eleição só se for sem furto

brilho só no camarim

golaço só se for de letra

Ronaldo só se for Werneck

malando só se mandarim

política só se for decente

partido só sem presidente

governo eu que mando em mim

batismo só se for de pia

congresso só de poesia

Reinaldo pode ser Valinho

ainda melhor se for Jardim

2

Roberta só se for Cainelli

Bruna agora só se for Poletto

vestido pode ser a própria pele

que cobre a nudez do esqueleto

Camila só se for Pitanga

carnaval só se for sem tanga

se houver tempo a gente transa no coreto

Juliana só se for Estefani

Paola só se Oliveira

Florbela se me quiser me espanca

e a gente trampa nos quintais da goiabeira

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

www.fulinaimicamente.blogspot.com

 

fome

 come osso menina come osso menino

não há mais metafísica no mundo do que comer osso

 no açougue ou no mercado osso de graça já foi dado hoje é vendido hoje é comprado

 come osso maria  come osso mané come osso joão com arroz e feijão quebrado

 porque nesse país sem nome temos que comer osso para matar a nossa fome

 

 já podeis

da pátria, filho

ver demente

a mãe gentil

 

já raiou

a liberdade

em cada cano de fuzil

 

salve lindo

fuzil que balança

entre as pernas

a(r)madas da paz

 

a  gripezinha

era a certeza esperança

de um genocida

imbecil incapaz

 

 navegar é preciso

           para Fernando Aguiar

 

Aqui redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras  descobrimento

espinhas de peixe convento

cabrálias esperas relento

escamas secas no prato

e um cheiro podre no AR

caranguejos explodem

mangues em pólvora

 

é surreal a nossa realidade

tubarões famintos devoram cadáveres

em nossa sala de jantar

 

como levar o   barco

em meio a essa tempestade

navegar é preciso

mas está dificilíssimo navegar 

 

 

Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer

 

mas como me disse mallarmè

:

- vida não é lance de dedos

A vida é lança de dardos

Deus não arde no fogo

                   mas eu ardo

 

Tecidos sobre a Terra

Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida

entre aberto em teus ofícios é que meu peito de poetasangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se espalha

amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente fértil
nos teus seios como um rio

o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por fidelidade

ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e um punhal diamante

minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança
plantada em ti como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta

 

 

MOENDA

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço

usina
mói o braço
a carne o osso

usina
mói o sangue
a fruta e o caroço

tritura suga torce
dos pés até o pescoço

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro

 

terra de santa cruz



I

ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme

 

II

salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes

III

salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

 

IV

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram

no Ipiranga

às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta



V

só desfraldando

a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios

dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza

com a pátria mãe que nos pariu

 

1º de Abril

 

telefonaram-me

avisando-me que vinhas

na noite uma estrela

ainda brigava contra a escuridão

na rua sob patas

tombavam homens indefesos

esperei-te 20 anos

até hoje não vieste à minha porta

 

 

telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta

 

 

VI

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl


minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul

VII

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:


meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná

VIII

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank


IX

ó baby a coisa por aqui

não mudou nada
embora sejam outras

siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema

                                Artur Gomes


Fulinaíma MultiProjetos

https://centrodeartefulinaima.blogspot.com/

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