Juras secretas em alta voltagem
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas
que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade,
considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e
regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se
também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência, enquanto conceito moral
exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas
malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e
época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski,
Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no
trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética:
Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural
que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a
maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão
avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva
ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel,
do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação,
desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a
espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de
estado. Com a palavra o poeta:
Jura de número 34
porque te amo / e amor não tem pele / nome ou
sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem
seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer
/ e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo /
por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve
Jura 63
não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso
/ um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu
olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver
/ não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire
Jura 69
há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade
é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e
a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.
Jura 70
meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa /
proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem
essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão
que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas
costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não
tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa /
pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta
língua portuguesa.
Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso,
em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do
livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro,
uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de
palavras”.
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
Leia mais em www.secretasjuras.blogspot.com
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