Dê livros
Dê Lírios
Dê Beijos
era uma vez um mangue
por onde andará Macunaíma
na sua carne no seu sangue
na medula no seu osso
será que ainda existe algum
vestígio de Macunaíma
na veia do teu pescoço?
cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Torquato Neto
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NÃO HÁ VAGAS
Ferreira Gullar
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1º de Abril
sob patas
tombavam
homens indefesos.
esperei-te 20 anos
e até hoje
não vieste
à minha porta.
Do
livro Suor & Cio – 1985
Pátria
A(r )mada – 2019
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alguns se sentem salvos
abrigados no templo
perdem tempo com teorias
amargos e santificados
e apontam dedos
aos que não se arrependem de viver
aos que dançam de mãos dadas
com suas loucuras
aos que lambem os dedos
lambuzados com delícias
aos que acreditam em pequenos milagres
vindos do esgoto a céu aberto
aos que tiram o dia para chorar
amam na cama, na mesa ou no chão
aos que gostam do corpo, da pele, do cheiro e do
gozo
aos que pulsam sem o prazer das carícias
aos que vivem e vibram com vida solta
livres, generosos e sem cabrestos
aos que se dão conta da sua liberdade
é meio caminho andado
(cuidem-se então
e sejam Mestres para si mesmos)
um dia, mais cedo ou mais tarde
todos chegam ao fim da linha
Poema de Benette
Bacellar - 2022
Laura Makabresku Art
POEMA PARA MARIELLE FRANCO
certeiros, os projéteis
da janela
da mira
do gatilho
atingem o alvo
calculadas, as balas
na cabeça marcada
na mente visada
na ação inadequada
cumprem a função de calar
não foi apenas o sangue
jorrado na execução
não foi apenas a carne
(negra, para não fugir das
estatísticas)
caça abatida no voo, ração
provimento dos sem razão
ali, naquele automóvel
ensanguentado
e
incômodo
foi abatida a utopia
calada
uma voz que era de muitos
derrubado
o pilar da esperança
executada
a possibilidade de redenção
Dalila Teles Veras
No porão
Minha mãe na máquina debruçada
costurava vestidos
e eu, menina, sonhava
Meu avô
do alto dos seus bigodes
parecia parecia sorrir
no seu retrato pintado
por um artista lambe-lambe
A vida corria serena
e eu, menina, sonhava
Hoje
o retrato do meu avô
descansa, inglório
no porão
Dalila Teles Veras
[À janela dos dias
poesia quase toda]
Cântico dos Cânticos Para Flauta e Violão
saibam quantos este meus versos virem
que te amo
do amor maior
que possível for
canção e calendário
sol de montanhas
sol esquivo de montanhas
felicidade
teu nome é
Maria Antonieta D´Alkmin
no fundo do poço
no cimo do monte
no poço sem fundo
na ponte quebrada
no rego da fonte
na ponta da lança
no monte profundo
nevada
entre os crimes contra mim
Maria Antonieta d´Alkmin
felicidade forjada nas trevas
entre os crimes contra mim
Maria Antonieta d´Alkmin
não quero mais as moreninhas de
Macedo
não quero mais as namoradas
do senhor poeta
Alberto d´Oliveira
quero você
não quero mais
crucificadas em meus cabelos
quero você
não quero mais
a inglesa Elena
não quero mais
a irmã na Nena
não quero mais
a bela Elena
Anabela
Ana Bolena
quero você
toma conta do céu
toma conta da terra
toma conta do mar
toma conta de mim
Maria Antonieta d´Alkmin
e se ele vier
defenderei
e se ela vier
defenderei
e se eles vierem
defenderei
e se elas vieram todas
numa guirlanda de flechas
defenderei
defenderei
defenderei
cais da minha vida
partida sete vezes
cais da minha vida quebrada
nas prisões
suada nas ruas
modelada
na aurora indecisa dos hospitais
bonançosa bonança
convite
escuta este verso
que eu fiz para você
para que todos saibam
que eu quero você
imemorial
gesto de pudor de minha mãe
estrela de abas abertas
não sei quando começou em mim
em que idade
em que eternidade
em que revolução solar
do claustro materno
eu te trazia no colo
Maria Antonieta d´Alkmin
te levei solitário
nos ergástulos vigilantes da ordem
intraduzível
nos trens de subúrbio
nas casas alugadas
nos quartos pobres
e nas fugas
cais da minha vida errada
certeza de corsário
porto esperado
coral caído
do oceano
nas mãos vazias
das plantas fumegantes
mulher vinda da china
para mim
vestida de suplícios
nos duros dorsos da amargura
para mim
Maria Antonieta d´Alkmin
teus gestos saiam dos borralhos
incompreendidos
que tua boca ansiosa
de criança repetia
sem saber
teus passos subiam
das barrocas desesperadas
do desamor
trazia nas mãos
alguns livros de estudante
e os olhos finais da minha mãe
alerta
lá vem o lança-chamas
pega a garrafa de gasolina
atira
eles querem matar todo amor
corromper o pólo
estancar a sede que eu tenho de outro
ser
vem de flanco, de lado
por cima, por trás
atira
atira
resiste
defende
de pé
de pé
de pé
o futuro será de toda humanidade
fabulário familiar
se eu perdesse a vida
no mar
não podia hoje
te ofertar
os nevoeiros, as forjas, os Baependis
acalanto
acuado pelos moços de forcado
flibusteiro
te descobri
muitas vezes pensei que a felicidade
sentasse à minha mesa
que me fosse dada no locutório dos
confessionários
na hipnose das bestas feras
no salto-mortal das rodas gigantes
ela vinha intacta, silenciosa
nas bandas de música
que te anunciaram para mim
Maria Antonieta d´Alkmin
quando a luta sangrava
nas feridas que sangrei
com alfinete na cabeça te deixei
adormecida
no bosque
te embalei
agora te acordei
relógio
as coisas são
as coisas vêm
as coisas vão
as coisas
vão e vem
não em vão
as horas
vão e vem
não em vão
compromisso
comprarei
o pincel
do Douanier
para te pintar
levo
pro nosso lar
o piano periquito
e o reader ´s digest
para não tremer
quando morrer
e te deixar
eu quero nunca te deixar
quero ficar
preso ao teu amanhecer
dote
te ensinarei
o segredo onomatopaico do mundo
te apresentarei
Thomas Morus
Federico Garcia Lorca
a sombra dos enforcados
o sangue dos fuzilados
na calçada das cidades inacessíveis
te mostrarei meus cartões-postais
o velho e a criança dos jardins
públicos
o tutu de dançarina sobre um táxi
escapados ambos da batalha do Marne
o jacaré andarilho
a amadora de suicídios
a noiva mascarada
a tonta do teatro antigo
a metade da Sulamita
a que o palhaço carregou no carnaval
enfim, as dezessete luas mecânicas
que precederam teu arrebol
marcha
todos virão para o teu cortejo
nupcial
a princesa Patoreba
coroada de foguetes
a senhora Dona Sancha
que todos querem ver
o tangolomango
e seus mortos mastigados
nas laboriosas noites processionais
todos comparecerão
o camarada barbudo
o bobo-alegre
o salvado de diversos pavorosos
incêndios
o frade mau
o corretor de cemitérios
e onde esciver
o Pinta-Brava
meu irmão
Tatá, Dudu, Popó, Sici, Lelé
não quero sombra de cera
nem noite branca de reza
quero o velório pretoriano
de Sócrates
não o bestiário
de Casanova
não quero tochas
não quero vê-las
Tatá, Dudu, Popó, Sici, Lelé
o tio da América
a igreja da Aparecida
o duomo de Milão
o trem, a canoa, o avião
Tudo darei às mesas anatômicas
do mastigador de entranhas
himeneu
para teu corpo
construirei o dossel
abrirei a porta submissa
ligarei o rádio
amassarei o pão
black-out
girafas tripulantes
em pára-quedas
a mão do jaburu
roda de mulher que chora
o leão dá trezentos mil rugidos
por minuto
o tigre não não é mais fera
nem borboletas
nem açucenas
a carne apenas
das anêmonas
na espingarda
do peixe espada
trasncontinental ictiossauro
lambe o mar
voa, revoa
a moça encastra
enforca, empala
à espera eterna
do Natal
desventra o ventre donde nasceu
a neutra equipe
dos sem luar
no fundo, fundo
do fundo do mar
da podridão
as sereias
anunciarão as searas
mea culpa, lear
na hora do fantasma
entre corujas
Jocasta soluçou
o palácio de fósforo
múltiplas janelas
desmaiou
- por quê calaste os sinos?
meu filho filho meu
- dei, dei, dei
- onde puseste os reinos e as
vitórias?
que estranha serenidade prometias?
- era ururpação, paguei
- passaste fome?
- muitas vezes comi as marés de meu
cérebro
encerramento e gran-finale
nada te sucederá
porque inerme deste o teu afeto
no soco do coração
te levarei
nas quatro sacadas fechadas
do coração
deixei de ser o desmemoriado das
idades de ouro
o mago anterior a toda cronologia
o refém de Deus
o poeta vestido de folhagem
de cocos e de crânios
Alba
Alfaia
Rosa dos Alkmin
dia e noite do meu peito que farfalha
a teu lado
terei o mapa-múndi
em minhas mãos infantes
quero colher
o fruto crédulo das semeaduras
darei o mundo
a um velho de juba
a seu procurador mongol
e a um amigo meu
com quem pretenderam
encerrar o sol
viveremos
o corsário e o porto
eu para você
você para mim
Maria Antonieta D´Alkmin
para lá da vida imediata
das tripulações de trincheira
que hoje comigo
com meus amigos redivivos
escutam os assombrados
brados de vitória
de Stalingrado
Oswald de Andrade
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