quarta-feira, 10 de novembro de 2021

tropicanalice

 


 

FROYDI ANA

 

azul são os teus olhos

a cor dos pelos não conheço

teus seios ainda não toquei

 

dracena – é uma terra roxa

nave extra terrena

que humanos não decifraram

pequena vagina virgem

onde os dedos ainda não entraram

 

e os cachos de uvas

apodrecem nos teus dentes

com um cheiro de leite ardente

esguichando na distância

 

LUNÁTICA

 

um gato noturno

atira pedras nas estrelas

palavras e mais palavras

na carne da princesa

 

onde o papel não bate

onde o pincel não toca

 

o gato noturno lambe a barriga

bem perto da virilha

e trepa

           no muro mais próximo

tentando alcançar o outro lado da lua

em seu instante letal

de desespero  e                           solidão

 


ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS

 

O Que é que mora

em tua boca bia?

um deus um anjo

ou muitos dentes claros

como os olhos do diabo

e uma estrela como guia?

 

O Que é que arde

em tua boca bia?

azeite, sal, pimenta e alho

réstias de cebola

carne krua do caralho

um cheiro azedo de cozinha

tua boca é como a minha?

 

O Que é que pulsa

em tua boca bia?

mar de eternas ondas

que covardes não navegam

rios de águas sujas

onde os peixes se apagam

ou um fogo cada vez mais Dante

como este em minha boca

de poeta delirante

nesta noite cada vez mais dia

em que acendo os meus infernos

em tua boca bia?

 

LENÇÓES DE RENDAS

 

poderia abrir teu corpo

com os meus dentes

rasgar panos e sedas

 

com as unhas

arreganhar as tuas fendas

desatar todos os nós

 

de tua cama

arrancar os cobertores

rasgando as rendas dos lençóis

 

perpetuar a ferro e fogo

minha marca no teu útero

meus desejos imorais

 

maldizendo a hora soberana

com a força sobrehumana dos mortais

quando vens me oferecer migalha e fruto

como quem dá de comer aos animais

 

TROPICALHA

 

VENDO a lua leviana

no império das bananas

 

papagaios periquitos

graviola

 

a fruta eu chupo morena

semente eu planto cigana

 

na selva pernambucana

nossa língua deita e rola


Artur Gomes

Couro Cru & Carne Viva - 1987




FLORA

 

reluz em mim amor e Flora

que tal riqueza em luz aflora

clara evidência total menino

com tal beleza voz e destino

 

e se não fores mansa

é que virás do mar

e virás da mãe Flora lumiar

e virás da tarde e do amanhecer

e será tão linda  ainda vai saber :

 

se andei por folhas

foi pra te germinar

e deixar sementes

pra te alimentar

 

e se não fores Flora

é o que vou fazer

deste grão de vida

que estás pra nascer

 

CORAÇÃO DE GALINHA

 

não sou tigresa

em tua cama

nem caviar em tua mesa

não sou mulher de fama

muito embora sempre tesa

 

não vim da boca do lixo

saí da ele do ovo

meu coração de galinha

virou orgasmo do povo




 COITO

 

teu corpo é carne de manga

em meu pênis viril

enquanto sangra

quando beijo tua boca

                     enfurecido

rasgando por trás

o teu vestido

 

COR DA PELE

 

África sou: raíz e raça

orgia pagã na pele do poema

couro em chagas que me sangra

alma satã na carne de Ipanema

 

o negro na pele

é só pirraça

de branco

na cara do sistema

 

no  fundo é amor

que dou de graça

dou mais do que moça

no cinema

 

CARNE PROIBIDA

 

o preço atual

proíbe

que me coma

 

mas pra ti

estou de graça

pra ti

não tenho preço

 

sou eu

quem me ofereço

a ti

:

músculo e osso

 

leva-me à boca

e completa teu almoço


OFÍCIO

 

ponho minha gema

em tua blusa

para que pule

no teu peito

minha musa

toda tensão

de ter tua pele

em meu poema

 

PROFISSÃO

 

meu ofício é de poeta

pra rimar poema e blusa

e ficar em sua pele

pelo tempo em que me usa

 

 

FRUTAS

 

no vermelho dos morangos

marrom dos sapotis

na pele das romãs

carne das goiabas

polpa das amoras

licor das melancias

e tropical abacaxi

 

no gosto que elas têm de beijo

e jeito que elas têm de sexo

penetro os dentes mordendo

chupando dragando em ti

 

a terra das frutas na boca

arando o vale das coxas

com o caule da minha espada

eu planto a língua molhada

 

PRIMEIRO AMOR

 

montado no sol a pino

no pasto do céu em chamas

eu cavaleiro menino

enlouqueci na sua cama

 

VOO SELVAGEM

 

I

 

correndo nos  cavalos

cresceu

meu coração de égua

enxertado

em ilusões de águias

 

II

 

meu coração galopa

pelo campo afora

no dorso dos poemas

na pele das esporas

 

III

 

diante da cerca

estão os bois

saciando o sexo:

corpos sob o sol

selvagens & parceiros

guiados pelo odor

amando pelo cheiro

 

IV

 

no pasto

o encontro boca a boca

a égua abriu-se toda

para que nela

entrasse

 

                 bastasse ver

o seu pulsar

           e gozo

para que o alazão também

          entre o capim

gozasse

 

V

 

com espada em riste

galopamos pradarias

e lutamos ferozmente

por dois segundos e meio

 

tua fúria era louca

e agarrei-me em tua crinas

para não cair da cama

 

mas o amor era tanto

e tanto era o prazer

quando fomos pra cama

não tinha mais o que fazer




 CORAÇÃO CIVIL

 

meu coração vadio

quando está no cio

faz comício

em seu quintal

vai pro bar e bebe o rio

e canta um  hino nacional

 

TEMPERO

 

é preciso socar certas palavras

com sal pimenta & alho

para dar o gosto

 

o ardido

que se traz na boca

é tempero mal cuidado

 

é preciso cortar o mofo

das ações de certas palavras

para quando for poema

ter ação presente

penetrar a carne

e ter sabor de gente




 MULHER

 

meu poema

se completa

em seu vestido

roçando sua carne

no algodão tecido

 

MINERADOR

 

I

 

mulher é lua nova luz ativa

teu corpo manso

é cobre nos meus braços

 

um fogo em prata

aceso nos meus olhos

 

minas gerais

senhora dos meus passos

 

II

 

para plantar seu corpo

em meu ofício

é que me fiz

metade em seu amor

 

para plantar a flor

no meu suplício

é que me fiz de ti

minerador

 

III

 

coberto em couro cru

& carne viva

amor brilhante diamante e luz

 

estrela e nave nua corre linda

sobre o teu seio

desperto em vera cruz

 

IV

 

no sol que banha

o teu suor e sangue

unhas de ferro

coração de cobre e aço

 

veia da américa

canção e flor do mangue

 

cortina aberta

estrada pro meu leito

metade de um país

metade do meu peito

 

ROSANA

 

nadar  por sobre o peixe

dos seus olhos

e penetrar as profundezas

do seu útero

 

assim quando prepara

um outro nascimento

na escuridão

que a sua luz dê Flora

 

e com um membro teso

vazar a claridade

que em teus seios mora

 

ALINE

 

o mar é um grande macho

quando vagas ondas

te pulsando água

 

no pontal das pernas líquidas

penetrando ventre

pelos poros pelos

que desaguam frutos

 

de uma branca espuma

despetalando o bico os teus seios

 

SIMONE

 

muito mais de um desejo

que não basta

o meu poema arrasta

um nome de mulher

na língua ultra molhado

 

marés e temporais

enchentes alto mar

do teu corpo navegado

 

ELIS

 

pau latina

mente

procurando passo

te encontro pelo

na porta desse poço

em pele de estopim

 

e um barril de pólvora

explode no meu peito

pura que o pariu

mulher, estás em mim

 



ATAFONA

 

vaza meu corpo

seu nome atravessado

terminal nas minhas coxas

lançado ao mar das suas costas

onde ancoro meus navios

 

retesando o braço dos meus rios

na maré dos seus pontais

peixe punhal de branco sal

em suas pernas sensuais

quando sangra nos meus cios

toda água do seu cais

 

MARISA GATA MANSA

 

afundas

tuas unhas fundas

viajas sub mundo

em doses de tensão

quando vibra tua voz

na voz do coração

 

e tua alma leve

tudo leva

tudo voa

quando tuas garras

de animal

sangra a carne

da pessoa

 

HALLEY

 

penetraria eu

o mar revolto em tua boca

queimando ao fogo do inferno

nus teus órgãos

grudado em tua pele

tudo em pelo

 

como quem montado

em tua alma

galopasse a língua fria

feito um cavaleiro

que nos céus

cavalgasse o corpo de mulher

:

cometa incendiando a luz do dia




 CARNAVALIZANDO

 

tropicaenamente

meus versos oswaldianos

em carnaval pela cidade

vão ficar durante o ano

desbundando a troup-sex

 

e a mulatinha andradiana

com bundinha à caetano

despe a gil bertinidade

no patamar do meu tríplex

 

BOCA DO INFERNO

 

por mais que te amar

seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter perdão pra nós

 

eu quero mais é teu pudor de dama

               despetalando  meus lençóis

 

e se tiver que me matar

que seja

e se eu tiver que te matar

que morra

 

em cada beijo

que te der amando

só vale o gozo

quando for eterno

 

inferniznado os céus

e santificando

       a boca do inferno

 

APARTAMENTO

 

      entre teu quarto e sala

trafego meus cavalos

     com prazer domando a fala

 

no quintal da tua cama

roçando a língua no meu falo

nosso orgasmo se inflama

 

ÊXTASE

 

deixa eu pousar

pelo animal ereto

pulsando em tua boca

meu amor contrário ás leis

 

expondo a fúria

do meu coração em festa

na vitalidade

da sua pulsação

 

quando aninhar meu falo

em tuja língua tesa

pondo a linha do horizonte

             presa

na plenitude da ejaculação

 



FLOR DA PELE

 

I

 

o beijo que não te dei

é parte que ainda

não re partiu de mim

 

o que te dou

está na boca

fruta mordida

em teu seio

:

carne de amendoim

 

II

 

uma mulher caminha nua

na ponta da minha estrela

ou na ponta da tua estrela – nua

caminho eu

 

parte do mar e do fogo

na língua na assombração

parte da terra e do vento

na carne do pensamento

lavras do teu vulcão

 

III

 

alguma estrela cadente

varreu o pó do meu sangue

beijou o chão dos meus olhos

e o fogo azul deste mar

 

em grave e cruel desespero

igual corrente gadeia

com dente veloz de aflição

 

comeu a carne na poça

voou com os seios da moça

e fez-se em constelação

 

IV

 

para voar com tuas patas

é preciso estar de fato

com o corpo em êxtase

e todo sangue em poesia

 

pois se não no teu impulso

e voo pro grande sexo

sangrarás na virgindade

e morrerás de hemorragia

 

 

                                                                  Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições - 1985

www.suorecio.blogspot.com

 



Artur Gomes

FULINAIMICAMENTE

NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimargem.blogspot.com

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