FROYDI ANA
azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
dracena – é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas
apodrecem nos teus dentes
com um cheiro de leite ardente
esguichando na distância
LUNÁTICA
um gato noturno
atira pedras nas estrelas
palavras e mais palavras
na carne da princesa
onde o papel não bate
onde o pincel não toca
o gato noturno lambe a barriga
bem perto da virilha
e trepa
no muro mais próximo
tentando alcançar o outro lado da lua
em seu instante letal
de desespero e solidão
ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS
O Que é que mora
em tua boca bia?
um deus um anjo
ou muitos dentes claros
como os olhos do diabo
e uma estrela como guia?
O Que é que arde
em tua boca bia?
azeite, sal, pimenta e alho
réstias de cebola
carne krua do caralho
um cheiro azedo de cozinha
tua boca é como a minha?
O Que é que pulsa
em tua boca bia?
mar de eternas ondas
que covardes não navegam
rios de águas sujas
onde os peixes se apagam
ou um fogo cada vez mais Dante
como este em minha boca
de poeta delirante
nesta noite cada vez mais dia
em que acendo os meus infernos
em tua boca bia?
LENÇÓES DE RENDAS
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas
com as unhas
arreganhar as tuas fendas
desatar todos os nós
de tua cama
arrancar os cobertores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minha marca no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobrehumana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e fruto
como quem dá de comer aos animais
TROPICALHA
VENDO a lua leviana
no império das bananas
papagaios periquitos
graviola
a fruta eu chupo morena
semente eu planto cigana
na selva pernambucana
nossa língua deita e rola
Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva - 1987
FLORA
reluz em mim amor e Flora
que tal riqueza em luz aflora
clara evidência total menino
com tal beleza voz e destino
e se não fores mansa
é que virás do mar
e virás da mãe Flora lumiar
e virás da tarde e do amanhecer
e será tão linda ainda
vai saber :
se andei por folhas
foi pra te germinar
e deixar sementes
pra te alimentar
e se não fores Flora
é o que vou fazer
deste grão de vida
que estás pra nascer
CORAÇÃO
DE GALINHA
não sou tigresa
em tua cama
nem caviar em tua mesa
não sou mulher de fama
muito embora sempre tesa
não vim da boca do lixo
saí da ele do ovo
meu coração de galinha
virou orgasmo do povo
COITO
teu corpo é carne de manga
em meu pênis viril
enquanto sangra
quando beijo tua boca
enfurecido
rasgando por trás
o teu vestido
COR DA
PELE
África sou: raíz e raça
orgia pagã na pele do poema
couro em chagas que me sangra
alma satã na carne de Ipanema
o negro na pele
é só pirraça
de branco
na cara do sistema
no fundo é amor
que dou de graça
dou mais do que moça
no cinema
CARNE
PROIBIDA
o preço atual
proíbe
que me coma
mas pra ti
estou de graça
pra ti
não tenho preço
sou eu
quem me ofereço
a ti
:
músculo e osso
leva-me à boca
e completa teu almoço
OFÍCIO
ponho minha gema
em tua blusa
para que pule
no teu peito
minha musa
toda tensão
de ter tua pele
em meu poema
PROFISSÃO
meu ofício é de poeta
pra rimar poema e blusa
e ficar em sua pele
pelo tempo em que me usa
FRUTAS
no vermelho dos morangos
marrom dos sapotis
na pele das romãs
carne das goiabas
polpa das amoras
licor das melancias
e tropical abacaxi
no gosto que elas têm de beijo
e jeito que elas têm de sexo
penetro os dentes mordendo
chupando dragando em ti
a terra das frutas na boca
arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
eu planto a língua molhada
PRIMEIRO
AMOR
montado no sol a pino
no pasto do céu em chamas
eu cavaleiro menino
enlouqueci na sua cama
VOO
SELVAGEM
I
correndo nos cavalos
cresceu
meu coração de égua
enxertado
em ilusões de águias
II
meu coração galopa
pelo campo afora
no dorso dos poemas
na pele das esporas
III
diante da cerca
estão os bois
saciando o sexo:
corpos sob o sol
selvagens & parceiros
guiados pelo odor
amando pelo cheiro
IV
no pasto
o encontro boca a boca
a égua abriu-se toda
para que nela
entrasse
bastasse
ver
o seu pulsar
e gozo
para que o alazão também
entre o capim
gozasse
V
com espada em riste
galopamos pradarias
e lutamos ferozmente
por dois segundos e meio
tua fúria era louca
e agarrei-me em tua crinas
para não cair da cama
mas o amor era tanto
e tanto era o prazer
quando fomos pra cama
não tinha mais o que fazer
CORAÇÃO CIVIL
meu coração vadio
quando está no cio
faz comício
em seu quintal
vai pro bar e bebe o rio
e canta um hino nacional
TEMPERO
é preciso socar certas palavras
com sal pimenta & alho
para dar o gosto
o ardido
que se traz na boca
é tempero mal cuidado
é preciso cortar o mofo
das ações de certas palavras
para quando for poema
ter ação presente
penetrar a carne
e ter sabor de gente
MULHER
meu poema
se completa
em seu vestido
roçando sua carne
no algodão tecido
MINERADOR
I
mulher é lua nova luz ativa
teu corpo manso
é cobre nos meus braços
um fogo em prata
aceso nos meus olhos
minas gerais
senhora dos meus passos
II
para plantar seu corpo
em meu ofício
é que me fiz
metade em seu amor
para plantar a flor
no meu suplício
é que me fiz de ti
minerador
III
coberto em couro cru
& carne viva
amor brilhante diamante e luz
estrela e nave nua corre linda
sobre o teu seio
desperto em vera cruz
IV
no sol que banha
o teu suor e sangue
unhas de ferro
coração de cobre e aço
veia da américa
canção e flor do mangue
cortina aberta
estrada pro meu leito
metade de um país
metade do meu peito
ROSANA
nadar por sobre o peixe
dos seus olhos
e penetrar as profundezas
do seu útero
assim quando prepara
um outro nascimento
na escuridão
que a sua luz dê Flora
e com um membro teso
vazar a claridade
que em teus seios mora
ALINE
o mar é um grande macho
quando vagas ondas
te pulsando água
no pontal das pernas líquidas
penetrando ventre
pelos poros pelos
que desaguam frutos
de uma branca espuma
despetalando o bico os teus seios
SIMONE
muito mais de um desejo
que não basta
o meu poema arrasta
um nome de mulher
na língua ultra molhado
marés e temporais
enchentes alto mar
do teu corpo navegado
ELIS
pau latina
mente
procurando passo
te encontro pelo
na porta desse poço
em pele de estopim
e um barril de pólvora
explode no meu peito
pura que o pariu
mulher, estás em mim
ATAFONA
vaza meu corpo
seu nome atravessado
terminal nas minhas coxas
lançado ao mar das suas costas
onde ancoro meus navios
retesando o braço dos meus rios
na maré dos seus pontais
peixe punhal de branco sal
em suas pernas sensuais
quando sangra nos meus cios
toda água do seu cais
MARISA
GATA MANSA
afundas
tuas unhas fundas
viajas sub mundo
em doses de tensão
quando vibra tua voz
na voz do coração
e tua alma leve
tudo leva
tudo voa
quando tuas garras
de animal
sangra a carne
da pessoa
HALLEY
penetraria eu
o mar revolto em tua boca
queimando ao fogo do inferno
nus teus órgãos
grudado em tua pele
tudo em pelo
como quem montado
em tua alma
galopasse a língua fria
feito um cavaleiro
que nos céus
cavalgasse o corpo de mulher
:
cometa incendiando a luz do dia
CARNAVALIZANDO
tropicaenamente
meus versos oswaldianos
em carnaval pela cidade
vão ficar durante o ano
desbundando a troup-sex
e a mulatinha andradiana
com bundinha à caetano
despe a gil bertinidade
no patamar do meu tríplex
BOCA DO
INFERNO
por mais que te amar
seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra nós
eu quero mais é teu pudor de dama
despetalando
meus lençóis
e se tiver que me matar
que seja
e se eu tiver que te matar
que morra
em cada beijo
que te der amando
só vale o gozo
quando for eterno
inferniznado os céus
e santificando
a boca do inferno
APARTAMENTO
entre teu quarto e
sala
trafego meus cavalos
com prazer domando
a fala
no quintal da tua cama
roçando a língua no meu falo
nosso orgasmo se inflama
ÊXTASE
deixa eu pousar
pelo animal ereto
pulsando em tua boca
meu amor contrário ás leis
expondo a fúria
do meu coração em festa
na vitalidade
da sua pulsação
quando aninhar meu falo
em tuja língua tesa
pondo a linha do horizonte
presa
na plenitude da ejaculação
FLOR DA PELE
I
o beijo que não te dei
é parte que ainda
não re partiu de mim
o que te dou
está na boca
fruta mordida
em teu seio
:
carne de amendoim
II
uma mulher caminha nua
na ponta da minha estrela
ou na ponta da tua estrela – nua
caminho eu
parte do mar e do fogo
na língua na assombração
parte da terra e do vento
na carne do pensamento
lavras do teu vulcão
III
alguma estrela cadente
varreu o pó do meu sangue
beijou o chão dos meus olhos
e o fogo azul deste mar
em grave e cruel desespero
igual corrente gadeia
com dente veloz de aflição
comeu a carne na poça
voou com os seios da moça
e fez-se em constelação
IV
para voar com tuas patas
é preciso estar de fato
com o corpo em êxtase
e todo sangue em poesia
pois se não no teu impulso
e voo pro grande sexo
sangrarás na virgindade
e morrerás de hemorragia
Artur Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições - 1985
FULINAIMICAMENTE
NAÇÃO GOITACÁ
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