segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Artur Gomes - Suor & Cio

 


                PASSANDO A LIMPO

 

I

 

loucura é não entender

a razão da poesia

em universo cosmo plástico

língua transcendental

em céus de boca

onde palavras tomam formas

e flutuam dimensões

 

II

 

loucura é não perceber

a santidade dos ladrões

a fome a sede o vício

coisas da social e da favela

“a carne seca na janela”

o desfile da portela

a mangueira verde e rosa

e os ratos passeando nos porões

 

III

 

loucura é ouvir

o rugido dos leões

na arquibancada

do pão que o diabo amassou

e não cumer a outra banda

que o brazil deu pra hollanda

não sacar Paulo Ciranda

essa finíssima presença

nem conhecer Marco Valença

:

ó baby

loucura ainda nem começou

 

 

GESTA

 

feroz

o índio

ainda via

o sol

a festa

fazia

 

o parto da raça humana

que hoje se desengana

e gente não pari mais

 

INDIGESTA

 

ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de santa cruz!

 

onde se deu 1ª missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

INDÍGENA

 

coração tombado

no tacape branco

fogo e fúria

        de fuzil

 

onde o planalto mata

veia agonizando

na ferozcidade:

BANCO DO BRASIL

 

 HERÓI NACIONAL

 

meu coração marçal tupã

sangra tupi e rock and roll

 

meu sangue tupiniquim

em corpo tupinambá

 

samba jongo maculelê

maracatu boi-bumbá

 

a veia de curumim

é coca cola & guaraná

 

TIRANA

 

ó baby

o meu sangue não é blue

nem tampouco jazz

em tua carne azul

 

estou de pé

olhando o front

e não aceito o horizonte

com a tirania do norte

ditando regras no sul

 

SONHANDO ESTAR EM CUBA

 

meu coração

não é de osso, não é de vidro

não é de aço, nem é de pedra

impunemente é só: coração

 

meu coração não é de hoje

conta por conta guarda em segredo

ama de longe ativamente

é só coração

 

meu coração não é verde amarelo

mas vive num país independente

só faz revolução não se arrepende

tramando a nova forma

do que sente

 

quando rumba brasileiramente

quando dança

algum bolero ardente

sonhando estar em cuba

macumba libremente

 

 BRAZILIANA

 

coração amordaçado

é simplesmente

nervo retorcido

 

coração apunhalado

é plenamente

nervo meu, ferido

 

sangra coração

em pele e osso

couro envelhecido

 

salta numa praça

brinca de pirraça

mesmo assim

:

fudido

 

 

TRO/PICALIZANDO

 

I

 

o poeta esfrangalha a bandeira

rasga o sol

tropical bananeira

na geléia geral brasileira

o céu de anil não é de abril

nem general é my brazil

 

II

 

minha verde amarela

esperança

portugal já vendeu

para a frança

e o coração latino

balança

:

entre o mar

de dólar do norte

e o chão

do cruzeiro  do sul

 

III

 

o poeta estraçalha

a bandeira

raia o sol marginal

quarta-feira

nessa porra estrangeira

e azul

que há muito índio dizia:

- “foi gringo

que trouxe no cu”

 

RE/VERSO

 

oswaldianamente

ainda não sei bandeira

nem levo o barco

ao Rei da Vela

 

: minha paixão

ainda é mangueira

desfilando na portela


 SEIO DA TERRA

 

bem no centro do universo

te mando um beijo ó amada

enquanto arranco uma espada

do meu peito varonil

 

e espanto todas estrelas

dos berços do eternamente

pra que acorde toda essa gente

desse vasto céu de anil

 

pois enquanto dorme  gigante

esplêndido sono profundo

não vê que do outro undo

robôs te enrabam ó mãe gentil !

 

 PARA TOTQUATO NETO

 

aqui estou na brasiléia tropicalha

em populácea militância

pornofágica

desbundando a marginalha

 em poesia su-real

 

para esquecer que a circunstância

é um pouco trágica

e não dizer

que o meu brasil dançou geral

 

 TRINCHEIRA

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

e os teus

 

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

   mastigando a nossa morte

 

mas eles é que morrerão

meu amor

num grande susto

         quando nus virem

amando nessa cama

de ferro e de pau duro

 

 1º DE ABRIL

 

telefonaram-me

      avisando-me

     que vinhas

 

na noite

uma estrela

ainda brigava

contra a escuridão

 

             na rua

             sob patas

             tombavam homens

             indefesos

 

esperei-te

20 anos

e até hoje

não vieste

à minha porta

 

 BRASIL

 

        este país

nunca existiu  

aqui

nunca tivemos

1º de abril

 

é brincadeira

da minha poesia

putaria do meu coração

 

tudo não passou de fantasia

                    ou obra de ficção

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

www.suorecio.blogspot.com




NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimargem.blogspot.com

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