PASSANDO A LIMPO
I
loucura é não entender
a razão da poesia
em universo cosmo plástico
língua transcendental
em céus de boca
onde palavras tomam formas
e flutuam dimensões
II
loucura é não perceber
a santidade dos ladrões
a fome a sede o vício
coisas da social e da favela
“a carne seca na janela”
o desfile da portela
a mangueira verde e rosa
e os ratos passeando nos porões
III
loucura é ouvir
o rugido dos leões
na arquibancada
do pão que o diabo amassou
e não cumer a outra banda
que o brazil deu pra hollanda
não sacar Paulo Ciranda
essa finíssima presença
nem conhecer Marco Valença
:
ó baby
loucura ainda nem começou
GESTA
feroz
o índio
ainda via
o sol
a festa
fazia
o parto da raça humana
que hoje se desengana
e gente não pari mais
INDIGESTA
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de santa cruz!
onde se deu 1ª missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus
INDÍGENA
coração tombado
no tacape branco
fogo e fúria
de fuzil
onde o planalto mata
veia agonizando
na ferozcidade:
BANCO DO BRASIL
meu coração marçal tupã
sangra tupi e rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi-bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná
TIRANA
ó baby
o meu sangue não é blue
nem tampouco jazz
em tua carne azul
estou de pé
olhando o front
e não aceito o horizonte
com a tirania do norte
ditando regras no sul
SONHANDO
ESTAR EM CUBA
meu coração
não é de osso, não é de vidro
não é de aço, nem é de pedra
impunemente é só: coração
meu coração não é de hoje
conta por conta guarda em segredo
ama de longe ativamente
é só coração
meu coração não é verde amarelo
mas vive num país independente
só faz revolução não se arrepende
tramando a nova forma
do que sente
quando rumba brasileiramente
quando dança
algum bolero ardente
sonhando estar em cuba
macumba libremente
coração amordaçado
é simplesmente
nervo retorcido
coração apunhalado
é plenamente
nervo meu, ferido
sangra coração
em pele e osso
couro envelhecido
salta numa praça
brinca de pirraça
mesmo assim
:
fudido
TRO/PICALIZANDO
I
o poeta esfrangalha a bandeira
rasga o sol
tropical bananeira
na geléia geral brasileira
o céu de anil não é de abril
nem general é my brazil
II
minha verde amarela
esperança
portugal já vendeu
para a frança
e o coração latino
balança
:
entre o mar
de dólar do norte
e o chão
do cruzeiro do sul
III
o poeta estraçalha
a bandeira
raia o sol marginal
quarta-feira
nessa porra estrangeira
e azul
que há muito índio dizia:
- “foi gringo
que trouxe no cu”
RE/VERSO
oswaldianamente
ainda não sei bandeira
nem levo o barco
ao Rei da Vela
: minha paixão
ainda é mangueira
desfilando na portela
bem no centro do universo
te mando um beijo ó amada
enquanto arranco uma espada
do meu peito varonil
e espanto todas estrelas
dos berços do eternamente
pra que acorde toda essa gente
desse vasto céu de anil
pois enquanto dorme
gigante
esplêndido sono profundo
não vê que do outro undo
robôs te enrabam ó mãe gentil !
aqui estou na brasiléia tropicalha
em populácea militância
pornofágica
desbundando a marginalha
em poesia su-real
para esquecer que a circunstância
é um pouco trágica
e não dizer
que o meu brasil dançou geral
há uma gota de sangue
entre meus olhos
e os teus
e muitas velas acesas
pra salvar a nossa carne
e bocas cheias de dentes
mastigando a nossa
morte
mas eles é que morrerão
meu amor
num grande susto
quando nus
virem
amando nessa cama
de ferro e de pau duro
telefonaram-me
avisando-me
que vinhas
na noite
uma estrela
ainda brigava
contra a escuridão
na rua
sob patas
tombavam
homens
indefesos
esperei-te
20 anos
e até hoje
não vieste
à minha porta
este país
nunca existiu
aqui
nunca tivemos
1º de abril
é brincadeira
da minha poesia
putaria do meu coração
tudo não passou de fantasia
ou
obra de ficção
Artur Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições – 1985
NAÇÃO GOITACÁ
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