pedra
punho
porra
uva
ovo
ova
quem me acusa
de poeta pouco
juro que não prova
saibam quantos estes
que meus versos virem
que te amo do amor maior
que possível for
Oswald de
Andrade
In Cântico dos Cânticos Para Flauta & Violão
agora não se fala mais
toda palavra tem o fim
em seu início
tudo é transparente em cada forma
os loucos sempre cantam
nos hospícios
Torquato
Neto
ainda que fosse
apenas sátira
sarcasmo ironia
amor humor
ruído
ou manifesto
cada palavra tem seu gesto
cada palavra contém
alguma pólvora
não me retrato quando peco
também nem sei o que
pecado significa
como bem me disse Paulo
Leminski
conheço esta cidade
como a palma da minha pica
Artur
Gomes
O homem com a flor na boca
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PÁTRIA A(
R)MADA
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando o seu destino
só me queira encapetado
profanando aqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os seus meninos
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em sua cama sol a pino
e só me queria desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
subversão
só desfraldando
a bandeira tropicalha
é
que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu
TERCEIRO
MUNDO
sonho rola no parque
sangue ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yanque
ECO
LÓGICA
fosse o
brasil
mulher das amazonas
caminhasse passo a passo
disputasse mano a mano
guardasse a fauna e a flora
da fome dos tropicanos
ouvisse o lamento dos peixes
jandais araras e tucanos
não estaríamos assim condicionados
aos restos do sub-humano
TROVA
MEU coração é tão hipócrita
que não janta
e
mais imbecil
que ainda canta
ou
viram no Ipiranga
às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
RETÓRICA
salve lindo pendão que balança
entre as pernas
abertas da paz
sua nobre sifilítica
herança
dos rendez-vous
de impérios atrás
IN(CONFIDÊNCIA
MINEIA)
sal gado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue in(confidente)
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
só pode ser canalha
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes
TERRA DE
SANTA CRUZ
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
e dar-te em ferro
ouro
prata
rios, peixes, minas, mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva - 1987
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FLORA
reluz em mim amor e Flora
que tal riqueza em luz aflora
clara evidência total menino
com tal beleza voz e destino
e se não fores mansa
é que virás do mar
e virás da mãe Flora lumiar
e virás da tarde e do amanhecer
e será tão linda ainda
vai saber :
se andei por folhas
foi pra te germinar
e deixar sementes
pra te alimentar
e se não fores Flora
é o que vou fazer
deste grão de vida
que estás pra nascer
CORAÇÃO
DE GALINHA
não sou tigresa
em tua cama
nem caviar em tua mesa
não sou mulher de fama
muito embora sempre tesa
não vim da boca do lixo
saí da ele do ovo
meu coração de galinha
virou orgasmo do povo
COITO
teu corpo é carne de manga
em meu pênis viril
enquanto sangra
quando beijo tua boca
enfurecido
rasgando por trás
o teu vestido
COR DA
PELE
África sou: raíz e raça
orgia pagã na pele do poema
couro em chagas que me sangra
alma satã na carne de Ipanema
o negro na pele
é só pirraça
de branco
na cara do sistema
no fundo é amor
que dou de graça
dou mais do que moça
no cinema
CARNE
PROIBIDA
o preço atual
proíbe
que me coma
mas pra ti
estou de graça
pra ti
não tenho preço
sou eu
quem me ofereço
a ti
:
músculo e osso
leva-me à boca
e completa teu almoço
OFÍCIO
ponho minha gema
em tua blusa
para que pule
no teu peito
minha musa
toda tensão
de ter tua pele
em meu poema
PROFISSÃO
meu ofício é de poeta
pra rimar poema e blusa
e ficar em sua pele
pelo tempo em que me usa
FRUTAS
no vermelho dos morangos
marrom dos sapotis
na pele das romãs
carne das goiabas
polpa das amoras
licor das melancias
e tropical abacaxi
no gosto que elas têm de beijo
e jeito que elas têm de sexo
penetro os dentes mordendo
chupando dragando em ti
a terra das frutas na boca
arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
eu planto a língua molhada
PRIMEIRO
AMOR
montado no sol a pino
no pasto do céu em chamas
eu cavaleiro menino
enlouqueci na sua cama
VOO
SELVAGEM
I
correndo nos cavalos
cresceu
meu coração de égua
enxertado
em ilusões de águias
II
meu coração galopa
pelo campo afora
no dorso dos poemas
na pele das esporas
III
diante da cerca
estão os bois
saciando o sexo:
corpos sob o sol
selvagens & parceiros
guiados pelo odor
amando pelo cheiro
IV
no pasto
o encontro boca a boca
a égua abriu-se toda
para que nela
entrasse
bastasse
ver
o seu pulsar
e gozo
para que o alazão também
entre o capim
gozasse
V
com espada em riste
galopamos pradarias
e lutamos ferozmente
por dois segundos e meio
tua fúria era louca
e agarrei-me em tua crinas
para não cair da cama
mas o amor era tanto
e tanto era o prazer
quando fomos pra cama
não tinha mais o que fazer
CORAÇÃO
CIVIL
meu coração vadio
quando está no cio
faz comício
em seu quintal
vai pro bar e bebe o rio
e canta um hino nacional
TEMPERO
é preciso socar certas palavras
com sal pimenta & alho
para dar o gosto
o ardido
que se traz na boca
é tempero mal cuidado
é preciso cortar o mofo
das ações de certas palavras
para quando for poema
ter ação presente
penetrar a carne
e ter sabor de gente
MULHER
meu poema
se completa
em seu vestido
roçando sua carne
no algodão tecido
MINERADOR
I
mulher é lua nova luz ativa
teu corpo manso
é cobre nos meus braços
um fogo em prata
aceso nos meus olhos
minas gerais
senhora dos meus passos
II
para plantar seu corpo
em meu ofício
é que me fiz
metade em seu amor
para plantar a flor
no meu suplício
é que me fiz de ti
minerador
III
coberto em couro cru
& carne viva
amor brilhante diamante e luz
estrela e nave nua corre linda
sobre o teu seio
desperto em vera cruz
IV
no sol que banha
o teu suor e sangue
unhas de ferro
coração de cobre e aço
veia da américa
canção e flor do mangue
cortina aberta
estrada pro meu leito
metade de um país
metade do meu peito
ROSANA
nadar por sobre o peixe
dos seus olhos
e penetrar as profundezas
do seu útero
assim quando prepara
um outro nascimento
na escuridão
que a sua luz dê Flora
e com um membro teso
vazar a claridade
que em teus seios mora
ALINE
o mar é um grande macho
quando vagas ondas
te pulsando água
no pontal das pernas líquidas
penetrando ventre
pelos poros pelos
que desaguam frutos
de uma branca espuma
despetalando o bico os teus seios
SIMONE
muito mais de um desejo
que não basta
o meu poema arrasta
um nome de mulher
na língua ultra molhado
marés e temporais
enchentes alto mar
do teu corpo navegado
ELIS
pau latina
mente
procurando passo
te encontro pelo
na porta desse poço
em pele de estopim
e um barril de pólvora
explode no meu peito
pura que o pariu
mulher, estás em mim
ATAFONA
vaza meu corpo
seu nome atravessado
terminal nas minhas coxas
lançado ao mar das suas costas
onde ancoro meus navios
retesando o braço dos meus rios
na maré dos seus pontais
peixe punhal de branco sal
em suas pernas sensuais
quando sangra nos meus cios
toda água do seu cais
MARISA
GATA MANSA
afundas
tuas unhas fundas
viajas sub mundo
em doses de tensão
quando vibra tua voz
na voz do coração
e tua alma leve
tudo leva
tudo voa
quando tuas garras
de animal
sangra a carne
da pessoa
HALLEY
penetraria eu
o mar revolto em tua boca
queimando ao fogo do inferno
nus teus órgãos
grudado em tua pele
tudo em pelo
como quem montado
em tua alma
galopasse a língua fria
feito um cavaleiro
que nos céus
cavalgasse o corpo de mulher
:
cometa incendiando a luz do dia
CARNAVALIZANDO
tropicaenamente
meus versos oswaldianos
em carnaval pela cidade
vão ficar durante o ano
desbundando a troup-sex
e a mulatinha andradiana
com bundinha à caetano
despe a gil bertinidade
no patamar do meu tríplex
BOCA DO
INFERNO
por mais que te amar
seja uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra nós
eu quero mais é teu pudor de dama
despetalando
meus lençóis
e se tiver que me matar
que seja
e se eu tiver que te matar
que morra
em cada beijo
que te der amando
só vale o gozo
quando for eterno
inferniznado os céus
e santificando
a boca do inferno
APARTAMENTO
entre teu quarto e
sala
trafego meus cavalos
com prazer domando
a fala
no quintal da tua cama
roçando a língua no meu falo
nosso orgasmo se inflama
ÊXTASE
deixa eu pousar
pelo animal ereto
pulsando em tua boca
meu amor contrário ás leis
expondo a fúria
do meu coração em festa
na vitalidade
da sua pulsação
quando aninhar meu falo
em tuja língua tesa
pondo a linha do horizonte
presa
na plenitude da ejaculação
FLOR DA
PELE
I
o beijo que não te dei
é parte que ainda
não re partiu de mim
o que te dou
está na boca
fruta mordida
em teu seio
:
carne de amendoim
II
uma mulher caminha nua
na ponta da minha estrela
ou na ponta da tua estrela – nua
caminho eu
parte do mar e do fogo
na língua na assombração
parte da terra e do vento
na carne do pensamento
lavras do teu vulcão
III
alguma estrela cadente
varreu o pó do meu sangue
beijou o chão dos meus olhos
e o fogo azul deste mar
em grave e cruel desespero
igual corrente gadeia
com dente veloz de aflição
comeu a carne na poça
voou com os seios da moça
e fez-se em constelação
IV
para voar com tuas patas
é preciso estar de fato
com o corpo em êxtase
e todo sangue em poesia
pois se não no teu impulso
e voo pro grande sexo
sangrarás na virgindade
e morrerás de hemorragia
EXERCÍCIO
com um dedo
abro
a tua boca vagina
com dois
aperto
o bico do teu seio
e
ultra passo
a porta do teu meio
SUOR
& CIO
esperma do corpo meu
viaja dentro do teu
centro de espera
onde se vão
:
sonhos ilusões porções
de amor e gozo
água de rio
ao ter-te assim
carne animal
cheirando a cais
canção curral
suor & cio
CONFISSÃO
se em ti estou
é para alimentar o que não sou
e o que sou
não é represa
é veia pública sob patas
postas de sangue na mesa
nada mais me é surpresa
cansei de ser correto
deixei de ser decente
eu quero mesmo
é o paladar
da tua língua
entre meus dentes
SER TEU
aqui me tens
nesse segundo orgasmo
mata-me de prazer
que ainda é tempo
tira depois
todo excesso de saliva
que sempre vem à boca
após cumprido o ato
no instante exato de ser teu
morro
aqui, agora
e se precisos sempre
mas o pensamento é testemunha
ontem era uma outra
quem me possuiu
GALOPE
teus órgãos tem o dom
de devorar entranhas
mexendo nervos músculos
em mim, cavalo não domado
quando em tuas pradarias
esporas por querer
nossa carne nos lençóis
do mais líquido prazer
LUZ DO SOL
molhada de mel
ponta de língua
espuma de sal
enquanto entra
no vale da púbis
quando vinga
o sol sensual
no seu estio
com a luz de cristal
gozando a fio
saliva meus dentes
enquanto beija
a boca entre aberta
quando deixa
vagina em meus dedos
feito gueixa
POESIA
I
chegas a mim
como uma égua assanhada
não quer saber do meu carinho
só quer saber de ser trepada
II
eu te penetro
em nome do pai
do filho
do espírito santo
amém
não te prometo
em nome de ninguém
TERRA
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca
no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói
é ter-te
devorada por tantos olhos
e deter impulsos por fidelidade
Artur
Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições - 1985
www.suorecio.blogspot.com