quinta-feira, 28 de abril de 2022

Com Os Dentes Cravados Na Memória


Com os Dentes Cravados Na Memória

 Padre Olímpio, que pertencia ao grupo de padres progressistas do Convento dos Padres Redentoristas, e que foi diretor do Colégio Salesiano em Campos, nos anos 70, me disse certa vez que o homem é um animal religioso social e político.

 Até então eu tinha publicado 3 livros: Um Instante No Meu Cérebro, Mutações em Pré-Juízo e Além da Mesa Posta, ele tinha lido os três. Nos encontrávamos quase sempre na Oficina de Artes Gráficas da então Escola Técnica Federal de Campos, quando ele ia levar algum trabalho do Colégio para ser impresso na gráfica da ETFC.

 Conversando sobre os meus livros, me disse que, o místico e o existencial era a tônica até então da minha poesia, mas que rapidamente eu iria me debruçar no social e no político, pois no Além da Mesa Posta, que é de 1997, ele já percebia essa tendência, e Oravio De Campos Soares também já havia escrito sobre essa hipótese.

 E eis que em 1979 escrevo e publico em linguagem de cordel Jesus Cristo Cortador de Cana, nesse mesmo ano sai a coletânea Ato-5 e toda a minha poesia que está lá é social e política. Em 1980 escrevo e publico O Boi-Pintadinho que é transformado em manifestação de Teatro de Rua com alunos da Oficina de Teatro da ETFC. Estava assim confirmada as duas previsões do Padre Olímpio e de Orávio de Campos Soares.

 Mas eis que a partir de 1985, com o livro Suor & Cio começa a habitar também a minha poesia, o sensual, o erótico, que nem eu mesmo sei dizer o porque, e de onde vem esse vendaval, essa tempestade, esse mar em altas ondas, de espuma esperma e  algas.

 Depois em 1987 Couro Cru & Carne Viva, em 2000 BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas e em 2018 Juras Secretas, que só existe como consequência desses 3 livros anteriores, onde a poesia social e política está também impregnada de sensualidade e erotismo.

 Lembro-me que na infância em Atafona, o vai e vem das ondas, e o encontro do Rio Paraíba do Sul com o oceano Atlântico, me provocava o imaginário me levando a pensar um casal no ato sexual em camas de areia e vento.

 

 

Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pêlos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa

 

Jura secreta 20 

não fosse o amor

essa faca de dois gumes 
e o tempo que chove na janela 
entre os meus e os olhos dela 
alguma face no espelho

e o sangue escorrendo pelas veias 
atiçando unhas e músculos 

não fosse uma lâmina acesa 
entre os corredores do corpo 
quando a carne é brasa

e as paredes dessa casa 
não separassem mais nada 

quando os pulsos saltam das portas 
para os porões do mais íntimo 
não fosse essa lâmpada esse cálice 
esse líquido pela boca tenso 
quando entro pelo teu quarto 
com tudo aquilo  que penso 

 

 

Jura secreta 23 

a lavra da pa/lavra quero

a lavra da palavra quero 
quando for pluma 
mesmo sendo espora 

felicidade uma palavra 
onde a lavra explora 
se é saudade dói mas não demora 
e sendo fauna linda como a Flora 
lua Luanda vem não vá embora 

se for poema fogo do desejo 
quando for beijo que seja como agora 

a lavra da palavra quero 
seja pele pluma

onde Mayara bruma 
já me diz espero 

saliva na palavra espuma 
onde tua lavra é uma 
elétrica pulsação de Eros 

a dança do teu corpo vero 
onde tu alma luna 
e o meu corpo empluma 
valsa por Laguna em beijos e boleros 

 

Jura secreta 29

 esfinge 

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 

 

Jura Secreta 31 

de Dante a Chico Buarque 
todos os poetas 
já cantaram suas musas 

Beatriz são muitas 
Beatriz são quantas 
Beatriz são todas 
Beatriz são tantas 

algumas delas na certa 
também já foram cantadas 
por este poeta insano e torto 
pra lhes trazer o desconforto 
do amor quando bandido 

Beatriz são nomes 
mas este de quem vos falo 
não revelo o sobrenome 

está no filme sagrado 
na pele do acetato 
na memória do retrato 
Beatriz no último ato 
da Divina Comédia Humana 
quando deita em minha cama 
e come do fruto proibido
 

 

Artur Gomes

Juras Secretas

www.secretasjuras.blogspot.com


Fulinaíma MultiProjetos

https://centrodeartefulinaima.blogspot.com/


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