zeus do céu e do olimpo
que nos proteja
voltamos e agora
acho que é para ficar
quem um dia já foi ex
no outro pode ser atual
isso é normal
não há que se espantar
se foi zeus quem disse
santo algum pode negar
Artur Fulinaíma
https://fulinaimamultiprojetos.blogspot.com/
INVERNIA
Há um momento
em que o mundo se recolhe,
sequer ladram os cães.
Tudo se retira
e se desventra,
viver se torna concha
no abissal do estéril:
deixa de ser vidro o vidro,
deixa de cortar, a faca,
mimetizam-se as coisas
para se tornarem nulas:
não mais há musgo ou pedra,,
só o sintoma,
desritualiza, o mundo,
a agudeza do instante:
raça, instrumento, nome
se desmentem
com inconsistência
de sombra sobre a água:
tudo é instinto e espanto
nos descaminhos
do rigoroso,
tudo é inverno e cavidade
nas intimidades do mínimo:
não há face nem totem
nos recônditos do escuro,
viver é anonimato
a destruir o denso,
instante de amolar de lâminas
para sangrar silêncios,
carne do vibrátil
a render-se ao Imóvel.
Cleber Pacheco
Eu Poderia Estar Matando
Armando Liguori Junior
Hoje pela manhã fui surpreendido
pelas percepções em resenha do amigo Aliedson
Lima publicadas em seu canal O NAVALHISTA. Agradeço muitíssimo o tempo
dedicado a leitura do meu livro EU PODERIA ESTAR MATANDO - Desconcertos Editora
e por ter compartilhado comigo e com seus seguidores estas percepções. Grande
abraço.
o navalhista
“O inferno são os outros” é provavelmente
uma das frases mais difundidas do filósofo Jean-Paul Sartre. A poeta portuguesa
Adília Lopes reitera a sentença sartreana em um dos seus poemas e a completa:
“mas o Céu/ também”. E esse “outro” é o Inferno/Céu que Armando Liguori Junior
trabalha do primeiro ao último poema no livro “Eu poderia estar matando”
(Desconcertos Editora @desconcertoseditora , 2022).
O livro é um exercício de intropatia.
De um humanismo inquietante. Os versos refletem sobre as distâncias entre o
“eu” e o “outro”. “Entre nós o abismo” é o título de um poema em que Liguori
explicita esse esforço: “Estico o cabo de aço/ E deslizo até chegar/ Onde você
está”. Em cada poema, o poeta vai até as últimas consequências nesse esforço de
Sísifo.
É claro, chegando no “outro” também nos deparamos com o Inferno. Enquanto “máquinas que desejam”, constituídas por um Eu “Biologicamente inacabado. Historicamente repetitivo. Definitivamente previsível. Necessariamente adaptável...” somos nosso inferno. É inegável. (Pensando aqui nas duas guerras de nossos dias, já repararam que hoje mal nos comovemos quando vemos notícias de que mais corpos foram empilhados em tal lugar...?)
Um rápido comentário sobre a poética de Liguori: o título de cada poema já é em si o primeiro verso. Gosto da ideia. Dá fluidez e nos poupa daqueles títulos que só quem escreveu sabe a relação que tem com o resto do poema – quando o livro não propõe a reflexão acerca de um único tema, tudo bem. Do contrário, dá uma quebra de ritmo irritante. Não acontece aqui. Se o título do livro é “Vivemos um mesmo tempo:” seu primeiro verso é “o de todos”.
Em um mundo em que se colocar no
lugar no outro é cada dia mais difícil, “Eu poderia estar matando” é um
lembrete de que não podemos ignorar a mensagem de Adília Lopes: também há Céu
no outro. Talvez seja essa a mensagem do livro de Armando Liguori Junior.
REFRAÇÃO
Da transparência,
o vidro sabe
o sólido;
a água, o líquido;
a luz,
tudo o que transtorna:
debulhar do avesso
em cartilagens de gelo,
afiar do translúcido
na desintoxicação do fixo:
copo e água
em limo e lume
no desentranhar
do que foge às córneas:
interpenetração do incolor
a acender o que incinera:
manto a desnudar
anonimato e batismo,
invenção do inerente
a inverter o íntimo.
Cleber
Pacheco
POESIA XXV
Vejo que atravessas tua infantaria
em minhas águas turvas (sobre este
manso amar que já foi Saara): tua
vegetação simbólica.
Vejo que transitas
entre espelhos cegos
e anjos rapaces (o que fazer
com esse altar de hipócritas
santificados?).
Estás acampada nos pássaros,
com tua boca de hipérbole, face
ao azul virulento
e os
anônimos
sem nome.
E sou o que te banha
entre os rebanhos, nesta
escrita de plasma; nesta caligem
do verbo purificador.
Então, deixo-te aqui estas palavras
sujas de pólen. Como se amar
fosse morrer.
Salgado Maranhão
na foto: - um encontro nosso na 7ª Feria do Livro de São Luis - Maranhão - 2012
OSWALD DE ANDRADE
Fragmento do texto “Uma poética da radicalidade”, de Haroldo de Campos
”Qual a linguagem literária vigente
quando se aprontou e desfechou a revolução poética oswaldiana?
O Brasil intelectual das primeiras décadas deste século [o texto é do século passado], em torno à Semana de 22, era ainda um Brasil trabalhado pelos ‘mitos do bem dizer’ (Mário da Silva Brito), no qual imperava o ‘patriotismo ornamental’ (Antonio Cândido), da retórica tribunícia, contraparte de um regime oligárquico-patriarcal, que persiste República adentro. Rui Barbosa, “a águia de Haia”; Coelho Neto, “o último heleno”; Olavo Bilac, ‘o príncipe dos poetas’, eram os deuses incontestes de um Olimpo oficial, no qual o Pégaso parnasiano arrastava seu pesado caparazão metrificante e a riqueza vocabular (entendida num sentido meramente cumulativo) era uma espécie de termômetro da consciência ‘ilustrada’.
Evidentemente que a linguagem literária funcionava, nesse contexto, como um jargão de casta, um diploma de nobiliarquia intelectual: entre a linguagem escrita com pruridos de escorreição pelos convivas do festim literário e a linguagem desleixadamente falada pelo povo (mormente em São Paulo, para onde acudiam as correntes migratórias com as suas deformações orais peculiares), rasgava-se um abismo aparentemente intransponível.
A poesia ‘pau-brasil’ de Oswald de Andrade representou, como é fácil de imaginar, uma guinada de cento e oitenta graus nesses status quo, onde – a expressão é do próprio Oswald de Andrade – ‘os valores estáveis da mais atrasada literatura do mundo, impediam qualquer renovação’. Repôs tudo em questão em matéria de poesia e, sendo radical na linguagem, foi encontrar, na ponta de sua perfuratriz dos estratos sedimentados da convenção, a inquietação do homem brasileiro novo, que se forjava falando uma língua sacudida pela ‘contribuição milionária de todos os erros’ num país que iniciava – precisamente em São Paulo –um processo de industrialização que lhe acarretaria fundas repercussões estruturais.
‘Se procurarmos a explicação do por que o fenômeno modernista se processou em São Paulo e não em qualquer outra parte do Brasil, veremos que ele foi uma consequência da nossa mentalidade industrial.
São Paulo era de há muito batido por todos os ventos da cultura. Não só a economia cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição invadisse todos os campos de atividade.’ É o retrospecto de Oswald em 1954.”
Jura secreta 1
a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
Leia mais no blog https://fulinaimacentrodearte.blogspot.com/
Feliz aniversário, São Paulo, onde vivi minha infância e
também o melhor da adolescência. Saudade
Maria Marta
Nardi
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a Liberdade
Saudade…
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade…
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
In Lira Paulistana, Mário de Andrade,
Quando eu morrer.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda
Não se mede a idade
pelos anos.
Cada um tem a idade
do seu coração,
dos sabores e dissabores,
das alegrias e tristezas,
da sua experiência
de vida, da sua fé,
e disposição para vivê-la.
George Sand (1804-1876)
via Renata Maria Parreira Cordeiro -
.
(Archivo Isolda P. Kahlo, México)
Duplo sentido
*
Hamilton Ramos Afonso
*
Se algum dia te deixares aprisionar por um sorriso
,
não faças prisão dos teus lábios
por apenas um beijo...
Sorriso e beijo
que sirvam para te libertar a alma
e a mesma se junte ,
sem cadeias
à alma do sorriso e do beijo
que te prenderam
*
Arte: Manuela
Rughetti..
“Apaixonada,
saquei minha arma,
minha alma,
minha calma,
só você não sacou nada.”
Ana Cristina Cesar
Daniel
Costa-Lourenço
*
Quando finalmente adormecer,
Será na tarde que chegará solta, indolente, de pés
descalços
(sobre a relva,
De lábios doces por experimentar,
Sem vestígios de nós os dois e todo o mundo,
sedutor,
Num abraço de juramento, de corpos estendidos e
mãos
(tateando o espaço perfumado de fruta fresca.
É domingo, és tu o jardim secreto desenhado a
sonhos,
Que não chegam mas torturam o lusco-fusco dos meus
(olhos,
Semi-cerrados, inquietos, ansiosos.
És mais música, menos poema, voz de toda a
insolência.
Uma consolação aguardada, evidente e íntima,
Um desejo indomável que não deixa vestígio visível
nem
(sopro morno sobre a pele.
Acorda-me.
Estes não são dias como os outros e quando ceder ao
(pôr-do-sol,
Tudo desaparecerá sobre o silêncio de uma floresta
(aguardando o fogo.
Mas tu não. Tu ficas.
Tu ficas e guardas o sol para quando eu não quiser
mais chuva.
*
*
Arte: Lauri
Blankie
INVENTEI O AMOR
Haverá um dia em que virás para mim, como uma flor
que foge do jardim, na pressa sedutora da paixão, de peito destapado e belo a
espreitar pelo decote singelo do teu vestido amarelo, desafiando a calma dos
deuses com a beleza encantadora dos teus sorrisos sedutores, como se tu fosses
dona de todos os amores!
Desde aquela noite em que partiste, enquanto todos
dormiam e deixaste em mim apenas as memórias raras do teu perfume de flores
frescas como as manhãs soalheiras de primavera, que te espero com as mãos
abertas e ainda cheias do fogo da tua pele maravilhosa para te queimar como um
vulcão e marcar eternamente o teu coração!
E até chegar esse dia desejado do futuro, tu serás
tudo o que eu procuro para te inundar o olhar com um brilho de pedras preciosas
e te morder o ouvido com a luxúria das palavras langorosas, e então tomo o teu
corpo com ardor, convencido que todos os deuses estão mortos e que fui eu mesmo
que inventei o amor!
Diogo Alves
VICIADOS EM SOLIDÃO
você não vai conseguir
por muito tempo
empurrar a vida
com a fumaça do seu cigarro
eu não vou conseguir
por muito tempo
driblar a morte
com as taças vermelhas
do meu bordeaux
nós não vamos
por muito tempo
enganar a sorte
alimentando os vícios
da nossa solidão
PERIPÉCIA OU O
INESPERADO DE UMA ALMA CANÇADA –
Por debaixo da couraça
Esculpida no cotidiano
Um toque na janela
Desperta o voo de uma brisa
Sonhando estrelas
Dentre os escombros
De um ser atingido
Pelas granadas do existir
Uma semente de rosa
Insiste em brotar
Em meio às lágrimas
Descendo as pedras da face
Endurecidas pelo furor
De um passado nem tão longínquo
Os lábios desenham um sorriso
Enquanto o coração
Essa máquina de moer sentimentos
Inventa uma taquicardia
E coloca todo o corpo em alerta
Para uma possível esperança
E no fim do túnel
Ou do outro lado do arco-iris
Um menino caminha descalço
Acreditando que ainda é tempo
Para novos sonhos
Wilson Coêlho
ramagem
rima com pilantragem?
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