desconcertante
um poema
massa
na
argamassa do fermento
para que o resultado
não seja só poema
seja também
invento
como poesia
devoro
para matar a fome
quando oro
o prazer tem outro nome
vamos desconcertar essa bagaça numa antologia para reverberar toda cabaça do berimbau de capoeira com certeza lá do céu luis mendes fará festa e tocará para yansã e oxalá saravá nos desconcertos
Artur
Gomes
para a desconcertante antologia
Desassossego
o meu amor não tem sossego
morde lambe chupa come
teu corpo que ainda não conheço
tua carne - nem se quer tem endereço
o meu amor não tem apego
agarra larga prende solta
atira ampara - é cachoeira
escorre como trovoada
iansã em tempestade
o meu amor é livre e limpo
quando a alma está lavada
Federika Lispector
https://arturgumes.blogspot.com/
Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.
Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara.
PAULO LEMINSKI
por Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu
coração não diz”.
Esses
versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa
e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade
interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras
Secretas, décimo terceiro livro do poeta Artur Gomes.
Não
que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas
denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente
em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens
Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto
da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro Cru
& Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta
assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que
preenchem o miolo do livro.
Jura
secreta 45
por
enquanto
vou
te amar assim em segredo
como
se o sagrado fosse
o
maior dos pecados originais
e
minha língua fosse
só
furor dos Canibais
E
é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o
poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes.
Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta
devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda
Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um
leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências.
Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e
imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e
funcional.
Jura
secreta 13
quantas
marés endoidecemos
e
aramaico permaneço doido e lírico
em
tudo mais que me negasse
flor
de lótus flor de cactos flor de lírios
ou
mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda
Hilst quando então se me amasse
ardendo
em nós salgado mar e Olga risse
olhando
em nós flechas de fogo se existisse
por
onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes
é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de
vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador
contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que
cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas
mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou
metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas
aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura
secreta 43
com
os seus dentes de concreto
São
Paulo é quem me devora
e
selvagem devolvo a dentada
na
carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre
em Cognição e Linguagem (Uenf).
Professor
de Literatura do IFF –
Primeiro confesso: conheço Luiza
Oliveira.
Conheço a Luiza dos cachos dourados,
deusa grega, dos vestidos elegantes, muitos deles em variados tons de azul, e
que frequenta os muitos saraus espalhados pelas ruas dessa cidade.
Conheço a Luiza, que por vezes recorda e nos conta da infância da menina pobre de seis anos e cachos dourados que invadia as salas de cinema onde seu pai era lanterninha.
Conheço a Luiza que se formou nas ruas da vida e se tornou socióloga, advogada, bailarina, atriz e… uma puta poeta.
Conheço a Luiza que em geral se
mostra frágil como um cristal fino, pronto para se espatifar ao menor aperto,
que se revela tímida e insegura.
Conheço essas e tantas outras Luizas
e todas elas estão presentes em seus livros e na sua poesia.
Ela acaba de lançar um novo livro “NÃO CONSIGO RESPIRAR: Os pássaros voam”. Se engana quem espera encontrar nele traços de insegurança ou fragilidade que citei acima. A Luiza poeta é pura potência e vitalidade, palavras fortes e bem utilizadas, ousadas e seguras. Na apresentação desse seu quarto livro ela tenta se revelar em versos: “Quem sou eu? / uma fuligem, uma estiagem / uma bobagem / hoje, aqui / amanhã no além”
Eu poderia falar dessa Luiza que se revela em seu último livro prendendo a minha respiração e citando vários trechos dos poemas nele presentes, mas isso não seria justo. Deixarei apenas dois aperitivos para que vocês conheçam a Luiza e se motivem a conhecer também esse seu último livro. Conheça aqui Intimidade Devassada: “meu corpo / fonte de prazeres / se esvai em desejos escondidos / da permissividade retraída, / de afetos sujos, roubados / me dispo na rua, / sou possuída por transeuntes obscuros, / minha alma marginal clama silêncios! / mas meu corpo se distrai na comichão / de ardores apimentados, / abraços desnudos acolhem meu corpo infértil / farturas e fraturas combinam-se nas esquinas dos esquecidos / sento no lixo da agonia e do perdão, / transvisto a culpa em morcegos dourados, / levanto voos em desejos ardentes, / esculpo minha alma marginal / e desfilo com cães, / verdadeiros guardiães do futuro!”
Luiza Oliveira luta, com suas melhores armas, contra o machismo, o autoritarismo, o patriarcalismo e as injustiças. Luiza sente orgulho de ser mulher, lida com as culpas e não tem vergonha do prazer que a mulher pode e deve sentir. Deixo vocês com o poema Calcinhas Molhadas também presente nesse seu último livro: “Bendito é o fruto de vosso ventre! / cócegas no ventre / um líquido gosmento escorre entre minhas pernas / assustada / excitada / vou pedir explicação para o divino // sou açoitada e despejada / por falta de pagamento! // endividada tento quitar / minhas indulgências // ah… santo padre, perdoa-me! / mas o mundo da luxuria é o mais perfeito / ah… sinto-me agraciada com mais um toque // e a energia sexual se transforma em energia espiritual // mas as cócegas continuam / cada vez mais intensamente / é a comunhão com o divino // é pecado, / diz uma voz pequenina, quase inocente // e uma fila de famintos me esperam / em orgias // fujo pelos porões sepulcrais / escuros, abafados / só vejo anjos nus com seus corpos / atléticos, musculosos // santificada / abençoada / me utilizo da leveza / dos anjos // pego a mão de Afrodite // e sou conduzida pelo Deus Baco / para mais uma orgia dos deuses! // Virgem Maria, rogai por nós!”
Enfim, conheçam Luiza!
Marcelo Brettas
do livro Risca Faca - (2021)
selo Demônio Negro
Espelho
flechas que
sangraram oxóssi
em meu peito
quebro
espelho do outro
lado
da rua mato a fera
ogum me deu a
lança
tua fúria não me
alcança
não ando só yansã
me leva em sua
ventania
trovão estampido
coice elétrico
tenho o reflexo do
fluxo
do sangue que me
embala
bala na veia tiro
de letra
Federika Bezerra
https://arturgumes.blogspot.com/
dominical despropósito propulsor
o poema não serve
o pássaro não pousa
o verso engasga
a vida enfada
a fome existe
o poema morde tua língua
o pássaro
feliz fracassa
o verso
vazio invade
a vida aos poucos morre
a fome não dorme
o poema urina sobre os domingos
o pássaro escorre entre tuas pernas
o verso é o reverso do gozo
a vida é a medida do fogo
a fome não sacia
poesia
se eu soubesse
não faria
garbo gomes
Ilustração:
The
uncertainty of the poet
A
incerteza do poeta
Giorgio de Chirico
Euzinha, atrevida que sou, sempre
observando e curtindo poemas dos amigos aqui no face...
Ontem à noite , parei, estacionei e
fiquei paralisada com a Arte desse puta Artista Valdir Rocha
...
Mas a falta de tempo me impede de
comentar e explorar mais suas imagens em rostos mergulhados no ostracismo,
olhares, tristes, questionadores, impiedosos que refletem a humanidade.
Assim, hoje, ouso aqui, comentar a riqueza
de suas imagens que sempre me acrescentaram, e muito!
Quem sou eu pra homenageá-lo? Uma
garotinha ainda patinando na Arte e nas palavras com algumas
precariedades...Ele, Valdir Rocha! UM MESTRE!
Então, vamos lá...
Valdir Rocha, surpreende sempre! depura
o humano, tornando-o assombradamente real, com todas as suas idiossincrasias...
"Perfeitos" demais exalam
sentimentos de toda espécie; medo, rejeição, heroísmo, humildade e sobretudo
humanidade...
As características são assombrosas
porque vivem de incertezas e exalam da alma uma certa precariedade frente ao
embrutecimento social ...
São pedaços de gente eliminados de
suas personas que mascaram e artificializam o humano em si.
Vislumbro aqui , a Fragilidade humana
, que em seu patamar se tornam recônditos submersos , como vielas de ruas sem
saídas que se enfileiram , se espalham como artistas e moradores de rua,
heróis, etc.
Seres que se despontecializam pela
falta de toques humanos em seus espasmos solitários, precariedades e tentam
manter a sua sublime esperança e lealdade...
Impressionante como Valdir Rocha
cavoca a sua Arte, desnuda e degusta o humano , fazendo-a reluzir em
personagens , com sabores arquetípicos, tais como: Esperança, perdão, temor
etc.
Olhares apertados com um brilho
estelar, buscas indefinidas, arrogância desmesurada, diante das incertezas...
Busca da esperança na escuridão dos
céus...
Descubro também a pureza de alma
através desses personagens.
Seres frágeis e sábios que carregam
em seus olhares: Piedade, afetos de toda a espécie, medos, desesperos, desejos,
esperanças, etc
Fico paralisada com as nuances desses
seus artistas criadores.
Vejo mais: Artistas de rua, palhaços
em suas soberanias, desejos temperados , seres piedosos, ternos,
Esses retratos transbordam questionamentos
seculares ;
Cada olhar e rosto , um cabedal de
aflições humanas
O medo ou a incerteza da existência
também criam essas sombras nesses olhares .
Peculiaridades infinitas e riquezas
humanas infinitas que definem o humano em si.
Associo suas imagens com personagens
de grandes cineastas como os de Felllini, Bunuel, kurosawa, etc.
Repetindo:
Vivem nos subúrbios da esperança,
Ou seja, em vielas de ruas sem
saída...
Luiza Silva Oliveira
deixa a chuva refrescar o verão
lavando nossas mazelas
apagando punhados de brasas
enquanto conto histórias
de desejo e revolta
choro e rio com você
Poema de Benette Bacellar - 2024
Yagmur Su Art
Poemas de "Atmosfera Ambar – diálogo poético em quatro cenas/ a solidão
do céu [cena quatro]", by Ziul
Serip.
local: Ex-Calibar –
cidade de Porto Alegrópolis;
ambiente: penumbra, melodias, alaridos e álcool;
tempo: século XX – meados e confins dos anos 80;
atores: poeta, pianista, dançarina, bêbado e
barman.
***
o pianista
céu de isopor:
orquestra de erupções de signos
onde sóis abordam pássaros esmera(l)dos raros
esboçando segredos
sem saber da solidão das cabeleiras grisalhas
céu de espanto:
paisagem do universo-istmo
onde sóis singram-me o ventre como sabre
entrecortando do pulso
à virilha – a bruma da retina que
– amplo céu – vasculha a solidão dos sentidos
*
o poeta
o alvo seria o olhar da brasa efêmera
nessa clausura assombrosa de acordes rosas
colosso de ossos fedor de carniça
carcaças de (s)o(m)bras
sob o sol odioso
e amarelo mortuário
do céu negro de Odessa
[n] o rugido da noite
um ranger entre os dentes e
o convulsivo gozo da engrenagem
– épica odisseia –
moendo o lixo – à míngua do musgo
mandíbulas de metal
*
a dançarina
rastejo
até esfolarem-me os joelhos
carrego-os coroados
em escarlate
insiro sal nos olhos
saio dos versos (dis) sol-
vendo-me em soçobrados gozos
*
o bêbado
expulso um verso
não raro como rimbaud
mas um embriagado à sorte
escravo de mim mesmo
ando curvo como foice
acossando a morte
*
o pianista
levanto-me censor de ásperas silhuetas
s(o)u ave – entre a montanha e a névoa
extraio a palavra estiagem da larva-lírica
insinuando-me de soslaio pelo inferno
não sou louco pelo que exprimo e singro
por esse olhar que me espanta e sinto?
por que cargas d'água pedras-mármore
são mistérios e memórias são rumores?
não sou verme (re) velado pelo espelho
mas alvo que – qual um da(r)do preciso
o olho aprecia: o olho vê outro andarilho
um maltrapilho à mercê do miradouro
*
o poeta
ouvir o vento tecer fragmentos breves
borboletras grávidas revoarem
no sereno destino
que lhes entreveem devorados
latejos sentidos em overdoses
de espumas silhuetas
basta! (es)cravo
[n]o esqueleto oco que (se) estilhaça
[n]as dobras duras das sobrancelhas
que brado sobre um céu espumado
de velhos corvos – onde eu solspiro
mil centelhas pelas treliças do tédio
esse nocivo gozo e sorri
dente esboço da vida turva
o que é difícil e inútil
mas que esmigalha e estorva
o que é fácil e fútil
mas que vasculha e transtorna
conciso vício de úmidas vulvas
no fundo do (f)osso – há (dú)vidas:
horizontem noturnos – entre ruídos raros
de (a) mor cego(s) e cabeleiras (r) uivas
em imensos fôlegos – tremo-te: grãos
de (ex)cravos nos olhos da ampulheta
hirsuto cintilas guelras de aço viole(n)ta
chuva ácida abrindo gretas
de ouro-espinho
em veludo negro florvalhando
álacres galhos da escassa cereja
corpo albatroz ouriçando a mariposa
de linho dourado
– veja:
ardo em grinalgas andarilhas
espátulas de lótus como a fruta podre
ou a ma(r)remota medula ferrugem
de madeira moura tombada
em ternura núbia
nu vens em mim sentir (o)dor
esgarçando-se nos rins do orvalho
estrelas anônimas
vê: sinta o mesmo cor céu
contemplando medusas semiluas
no mar istmo sa(n)gra(na)do
de (ma)estrias salamandras:
“...
filigranas pétalas de mármore
vertem pedras filiformes
meandros de metal
...”
*
o barman
viva o dia em movimento onde o silêncio se vê
mínimo
breve oceano de grãos no poema árido
nadando em ondas de mármore
***
imagem: "vapor aquoso" (fotografia) by
Mehmet Ozgur
o vento
o que me acorda
no meio da noite
são as asas do vento
que roubam do meu armário
as fotos por onde morei
as estrelas que adormeciam pelo chão
e os dilúvios que passavam
sobre os meus caminhos
e era como uma rua
que não via seus vultos nem rosas
passeando pelas enormes calçadas
assim como quem vai a praça
e não lembra de olhar
os olhos das crianças
e os seus amigos
sem perfumes e mulheres
já não guardam os seus quintais
sombras de cadeiras
varal com roupas dos vizinhos
e o adormecer das cobras
e os seus pés errantes
e a brisa que vem do mar
acumula pelos tapumes e telhas
sua memória
ri do rio e suas métricas
como um lagarto que voa
sem sua sombra e paz
e o vento
que da janela de um trem
invade lençois e colchões
cemitérios e cisternas
pede um pouco d'água
como promessa
de quem
já se esqueceu de sonhar.
Cgurgel
VIDA INTRAVENOSA
Enviei uma sonda espa(e)cial por baixo da pele
à procura de vida intraepitelial
nos caminhos molhados das veias vermelhas,
nas estranhas entranhas
entre meus mundos tão fundos,
nas bordas das vísceras,
nas míseras cavidades naturais,
nos contornos das pálpebras caídas,
nos globos oculares depois dos óculos,
nos glóbulos brancos,
nos ósculos, nos óvulos,
nas cavernas palatais,
nas hérnias inguinais,
nas minhas dores viscerais.
A sonda rondou cada milímetro cúbico
dos meus infernos passionais,
descobriu vida desconhecida
fazendo usucapião em minha aorta:
revelada vida intravenosa
em contravenção silenciosa
entre a veia cava superior
e a caverna escura
por onde imagens sobrepostas
trazem da realidade o véu
viscoso véu que me obscurece a compreensão
- às expensas de Platão -
De volta para casa
quero vida especial
depois da pele
por onde nascerem
- supostas -
as minhas asas.
(Nic Cardeal, 14.01.2019)
imagem do
Pinterest
caminhou lentamente
com areia entre os dedos
afundando o peso da dor
cabelos emaranhados
pés molhados
lambidos pela imensidão
contemplou
desejou matar a sede
desidratando o passado
se entregou
sabia nadar
o mar
ensinou a boiar.
Flávia Gomes
para esta tarde de domingo, com mormaço e chuva
interrogar as fronteiras
entre macho e fêmea
da linguagem
multiplicar os territórios
de indefinição comunitária
tocar na pele polifônica
de todos os sentidos
em alerta
erodir tudo ao redor
do abismo
deixar apenas
teu corpo
em sobrecarga
no mercado
das palavras
e que só o barulho do silencio
te atravesse
agora
Herbert Valente de Oliveira
hoje
o
maior desafio
permanecer Nu cio
Ando alpha
Quase beta
Meu destino ser poeta
A mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema
entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela
fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda
não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de
fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em entre linhas
salta das metáforas por entre portas e janelas
no poema o que ficou?
para
Cesar
Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros
azulejando nos azuis
no poema ficou o corte mais aberto
o sangue mais secreto
tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega
a faca desdentada
a fome afiada onde era mel agora é
pus
no poema ficou o obsceno não sagrado
o beijo ensanguentado
o abstrato do concreto
no poema ficou um objeto
um soneto esfacelado
um hiato no decreto
no poema ficou mais um retalho
mais um trapo do espantalho
nesse circo abjeto
no poema ficou o sangue amargo
numa noite quase nada
num curral analfabeto
no poema ficou a escuridão
nuvens de cinzas
onde antes era luz
no poema eu fiquei de pé quebrado
no velório esquartejado
nessa terra de
tanta cruz
Dédalus
para
Alberto Bresciani
e o seu
magnífico Hidroavião
O poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos
não está pra peixe este mar
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de nylon
degolam tartarugas
que morrem náufragas
na Av. atlântica
o poeta cata os cacos que restaram
desta pátria desossada
arde em mim
um
rio
de
palavras
corpo
larvas erupção
mar
de fogo
vulcão
no romance do Poema
Mário Faustino traçou o seu
destino
FederikaLispector
havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo
Herbert Valente de Oliveira
Irreverência ou Morte!
Gigi
Mocidade
escrevo
para não morrer antes da morte
Federico Baudelaire
o
poema é um lance de dados
mas
não fugirá ao acaso
Stéphane Mallarmè
linguagem toda viagem
imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me
levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para
não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o
sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia.
muitas vezes imagens me levam a viajar - como deve ser escrever para não enlouquecer ¿ muitas vezes algas que ela traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e
se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum
despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho.
poema
o poema pode ser um
beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró
o assassinato de Lorca o poema pode ser o que vai o que não fica Lupicínio na
Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o
poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte
ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o
bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso
o
Delírio é a Lira do Poeta
se
o Poeta não Delira
sua
Lira não Profeta
Artur Fulinaíma
ando tendo sonhos antropológicos
que mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos
poesia
à flor
da barra
amor à primeira vista
meu livro vermelho de sangue
Ouro Preto na contra capa
a musa morta no mangue
rosa vermelha no altar
desejo paixão fogo brasa
incêndio na minha casa
para nunca mais se apagar
poema 1
o que você faria
se soubesse que és musa
de dois poetas tortos ¿
um visivelmente você sabe
o outro se oculta
por trás da lua nova
quando deita rede na varanda
com sua
luz de zinco prata
o que você faria
se hoje eu te dissesse
que o tempo tarda mas não finda
e que a lua só é nova
porque se preservou dentro da mata
curuminha ainda ¿
poema 2
esse poema mora dentro de ti
entre pele pelos músculos nervos ossos
quase pronto mas
sempre inacabado
não importa o caminho que o tempo
o disperse em curvas de distâncias
ou que o carinho não baste
quando é sede e fome que que se tem no corpo
não sei por quantas vezes
nem sei por quantos anos
um pássaro leva para se abrigar no ninho
ou para fazer de um fio elétrico
o seu lugar de pouso
quando quase tudo no poema ainda está por vir
só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto
mas será sempre no teu colo que ele
um dia irá dormir
poema 3
o homem com a flor na boca
faz dos seus versos
poesia um tanto prosa
tem na pele o couro cru
e um parangolé
pendurado no pescoço
onde pensamos nervos
no seu corpo -
ali é osso
tua língua atravessa
o pontal das coxas
quando o leito do seu rio
transborda um oceano
carrega espinhos na carne
como fossem pétalas de rosa
com os dentes rasga da musa
- todo pano - e ali
mesmo goza
poema 4
meus olhos atravessam
as lentes - o peixe
e caminham em direção a luz
que está do outro lado
o infinito
que me espera com seus
olhos d´água
ela virá com sua boca
de batom marrom vermelho
e eu espero
com minhas 7 línguas
atrás da porta
com o mel e o veneno
a pimenta e o azeite
vamos devorar o peixe
no caldeirão incandescente
em nossas línguas
só flechas - o fogo
a águardente –
para Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco
quem sabe filho de Zeus
jantou comigo a Santa Ceia
na casa de Prometeus
nas madrugada de Bento
lambeu o vinho nos seios
das Bacantes no convento
por todos poros do corpo
por todos pelos
e meios
depois grafitou nas vidraças
com dedos de diamantes
a Rosa de Hirochima
num coração estudante
depois de
romper o dia
por volta da
seis e meia
era um coração de poeta
com
poesia na veia
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