quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

múltiplas poéticas


irina agora também é modelo dessas pinturas clássicas que não sabemos qual é o pincel usado pelo pintor 



desconcertante

um poema massa

na argamassa do fermento

 para que o resultado

 não seja só poema

seja também invento

 

como poesia

devoro

para matar a fome

quando oro

o prazer tem outro nome

 

vamos desconcertar essa bagaça numa antologia para reverberar toda cabaça do berimbau de capoeira com certeza lá do céu luis mendes fará festa e tocará para yansã e oxalá saravá                               nos desconcertos

 

Artur Gomes

para a desconcertante antologia 

www.arturgumes.blogspot.com 


Desassossego

 

o meu amor não tem sossego

morde lambe chupa come

teu corpo que ainda não conheço

tua carne - nem se quer tem endereço

o meu amor não tem apego

agarra larga prende solta

atira ampara - é cachoeira

escorre como trovoada

iansã em tempestade

o meu amor é livre e limpo

quando a alma está lavada

 

Federika Lispector

https://arturgumes.blogspot.com/


Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara.

PAULO LEMINSKI



 
Juras secretas de um trovador contemporâneo

                                     por Adriano Moura

 “Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras Secretas, décimo terceiro livro do poeta Artur Gomes.

Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

 

Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

 

Jura secreta 45

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos Canibais

 

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.

Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

 

Jura secreta 13

 

quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.

 

Jura secreta 43

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).

Professor de Literatura do IFF –


Primeiro confesso: conheço Luiza Oliveira.

Conheço a Luiza dos cachos dourados, deusa grega, dos vestidos elegantes, muitos deles em variados tons de azul, e que frequenta os muitos saraus espalhados pelas ruas dessa cidade.

 Conheço a Luiza, que por vezes recorda e nos conta da infância da menina pobre de seis anos e cachos dourados que invadia as salas de cinema onde seu pai era lanterninha.

 Conheço a Luiza que se formou nas ruas da vida e se tornou socióloga, advogada, bailarina, atriz e… uma puta poeta.

Conheço a Luiza que em geral se mostra frágil como um cristal fino, pronto para se espatifar ao menor aperto, que se revela tímida e insegura.

Conheço essas e tantas outras Luizas e todas elas estão presentes em seus livros e na sua poesia.

 Ela acaba de lançar um novo livro “NÃO CONSIGO RESPIRAR: Os pássaros voam”. Se engana quem espera encontrar nele traços de insegurança ou fragilidade que citei acima. A Luiza poeta é pura potência e vitalidade, palavras fortes e bem utilizadas, ousadas e seguras. Na apresentação desse seu quarto livro ela tenta se revelar em versos: “Quem sou eu? / uma fuligem, uma estiagem / uma bobagem / hoje, aqui / amanhã no além”

 Eu poderia falar dessa Luiza que se revela em seu último livro prendendo a minha respiração e citando vários trechos dos poemas nele presentes, mas isso não seria justo. Deixarei apenas dois aperitivos para que vocês conheçam a Luiza e se motivem a conhecer também esse seu último livro. Conheça aqui Intimidade Devassada: “meu corpo / fonte de prazeres / se esvai em desejos escondidos / da permissividade retraída, / de afetos sujos, roubados / me dispo na rua, / sou possuída por transeuntes obscuros, / minha alma marginal clama silêncios! / mas meu corpo se distrai na comichão / de ardores apimentados, / abraços desnudos acolhem meu corpo infértil / farturas e fraturas combinam-se nas esquinas dos esquecidos / sento no lixo da agonia e do perdão, / transvisto a culpa em morcegos dourados, / levanto voos em desejos ardentes, / esculpo minha alma marginal / e desfilo com cães, / verdadeiros guardiães do futuro!”

 Luiza Oliveira luta, com suas melhores armas, contra o machismo, o autoritarismo, o patriarcalismo e as injustiças. Luiza sente orgulho de ser mulher, lida com as culpas e não tem vergonha do prazer que a mulher pode e deve sentir. Deixo vocês com o poema Calcinhas Molhadas também presente nesse seu último livro: “Bendito é o fruto de vosso ventre! / cócegas no ventre / um líquido gosmento escorre entre minhas pernas / assustada / excitada / vou pedir explicação para o divino // sou açoitada e despejada / por falta de pagamento! // endividada tento quitar / minhas indulgências // ah… santo padre, perdoa-me! / mas o mundo da luxuria é o mais perfeito / ah… sinto-me agraciada com mais um toque // e a energia sexual se transforma em energia espiritual // mas as cócegas continuam / cada vez mais intensamente / é a comunhão com o divino // é pecado, / diz uma voz pequenina, quase inocente // e uma fila de famintos me esperam / em orgias // fujo pelos porões sepulcrais / escuros, abafados / só vejo anjos nus com seus corpos / atléticos, musculosos // santificada / abençoada / me utilizo da leveza / dos anjos // pego a mão de Afrodite // e sou conduzida pelo Deus Baco / para mais uma orgia dos deuses! // Virgem Maria, rogai por nós!”

Enfim, conheçam Luiza!

 

Marcelo Brettas 


Ademir Assunção 

do livro Risca Faca - (2021)

selo Demônio Negro 



Espelho

 

flechas que sangraram oxóssi

em meu peito quebro

espelho do outro lado

da rua mato a fera

ogum me deu a lança

tua fúria não me alcança

não ando só yansã

me leva em sua ventania

trovão estampido coice elétrico

tenho o reflexo do fluxo

do sangue que me embala

bala na veia tiro de letra

 

Federika Bezerra

https://arturgumes.blogspot.com/



dominical despropósito propulsor

 

o poema não serve

o pássaro não pousa

o verso engasga

a vida enfada

a fome existe

 

o poema morde tua língua

o pássaro

feliz fracassa

o verso

vazio invade

a vida aos poucos morre

a fome não dorme

 

o poema urina sobre os domingos

o pássaro escorre entre tuas pernas

o verso é o reverso do gozo

a vida é a medida do fogo

a fome não sacia

 

poesia

se eu soubesse

não faria

 

garbo gomes

 

Ilustração:

The uncertainty of the poet

A incerteza do poeta

Giorgio de Chirico


Euzinha, atrevida que sou, sempre observando e curtindo poemas dos amigos aqui no face...

Ontem à noite , parei, estacionei e fiquei paralisada com a Arte desse puta Artista Valdir Rocha ...

Mas a falta de tempo me impede de comentar e explorar mais suas imagens em rostos mergulhados no ostracismo, olhares, tristes, questionadores, impiedosos que refletem a humanidade.

Assim, hoje, ouso aqui, comentar a riqueza de suas imagens que sempre me acrescentaram, e muito!

Quem sou eu pra homenageá-lo? Uma garotinha ainda patinando na Arte e nas palavras com algumas precariedades...Ele, Valdir Rocha! UM MESTRE!

Então, vamos lá...

Valdir Rocha, surpreende sempre! depura o humano, tornando-o assombradamente real, com todas as suas idiossincrasias...

"Perfeitos" demais exalam sentimentos de toda espécie; medo, rejeição, heroísmo, humildade e sobretudo humanidade...

As características são assombrosas porque vivem de incertezas e exalam da alma uma certa precariedade frente ao embrutecimento social ...

São pedaços de gente eliminados de suas personas que mascaram e artificializam o humano em si.

Vislumbro aqui , a Fragilidade humana , que em seu patamar se tornam recônditos submersos , como vielas de ruas sem saídas que se enfileiram , se espalham como artistas e moradores de rua, heróis, etc.

Seres que se despontecializam pela falta de toques humanos em seus espasmos solitários, precariedades e tentam manter a sua sublime esperança e lealdade...

Impressionante como Valdir Rocha cavoca a sua Arte, desnuda e degusta o humano , fazendo-a reluzir em personagens , com sabores arquetípicos, tais como: Esperança, perdão, temor etc.

Olhares apertados com um brilho estelar, buscas indefinidas, arrogância desmesurada, diante das incertezas...

Busca da esperança na escuridão dos céus...

Descubro também a pureza de alma através desses personagens.

Seres frágeis e sábios que carregam em seus olhares: Piedade, afetos de toda a espécie, medos, desesperos, desejos, esperanças, etc

Fico paralisada com as nuances desses seus artistas criadores.

Vejo mais: Artistas de rua, palhaços em suas soberanias, desejos temperados , seres piedosos, ternos,

Esses retratos transbordam questionamentos seculares ;

Cada olhar e rosto , um cabedal de aflições humanas

O medo ou a incerteza da existência também criam essas sombras nesses olhares .

Peculiaridades infinitas e riquezas humanas infinitas que definem o humano em si.

Associo suas imagens com personagens de grandes cineastas como os de Felllini, Bunuel, kurosawa, etc.

Repetindo:

Vivem nos subúrbios da esperança,

Ou seja, em vielas de ruas sem saída...

 

Luiza Silva Oliveira 


deixa a chuva refrescar o verão

lavando nossas mazelas

apagando punhados de brasas

 

enquanto conto histórias

de desejo e revolta

choro e rio com você

 

Poema de Benette Bacellar - 2024

Yagmur Su Art



Poemas de "Atmosfera Ambar – diálogo poético em quatro cenas/ a solidão do céu [cena quatro]", by Ziul Serip.

local: Ex-Calibar – cidade de Porto Alegrópolis;
ambiente: penumbra, melodias, alaridos e álcool;
tempo: século XX – meados e confins dos anos 80;
atores: poeta, pianista, dançarina, bêbado e barman.

***

o pianista

céu de isopor:
orquestra de erupções de signos
onde sóis abordam pássaros esmera(l)dos raros

esboçando segredos
sem saber da solidão das cabeleiras grisalhas

céu de espanto:
paisagem do universo-istmo
onde sóis singram-me o ventre como sabre

entrecortando do pulso
à virilha – a bruma da retina que
– amplo céu – vasculha a solidão dos sentidos

*

o poeta

o alvo seria o olhar da brasa efêmera
nessa clausura assombrosa de acordes rosas

colosso de ossos fedor de carniça
carcaças de (s)o(m)bras

sob o sol odioso
e amarelo mortuário
do céu negro de Odessa

[n] o rugido da noite
um ranger entre os dentes e
o convulsivo gozo da engrenagem

– épica odisseia –

moendo o lixo – à míngua do musgo
mandíbulas de metal

*

a dançarina

rastejo
até esfolarem-me os joelhos

carrego-os coroados
em escarlate

insiro sal nos olhos
saio dos versos (dis) sol-
vendo-me em soçobrados gozos

*

o bêbado

expulso um verso
não raro como rimbaud
mas um embriagado à sorte

escravo de mim mesmo
ando curvo como foice
acossando a morte

*

o pianista

levanto-me censor de ásperas silhuetas
s(o)u ave – entre a montanha e a névoa

extraio a palavra estiagem da larva-lírica
insinuando-me de soslaio pelo inferno

não sou louco pelo que exprimo e singro
por esse olhar que me espanta e sinto?

por que cargas d'água pedras-mármore
são mistérios e memórias são rumores?

não sou verme (re) velado pelo espelho
mas alvo que – qual um da(r)do preciso

o olho aprecia: o olho vê outro andarilho
um maltrapilho à mercê do miradouro

*

o poeta

ouvir o vento tecer fragmentos breves
borboletras grávidas revoarem

no sereno destino
que lhes entreveem devorados

latejos sentidos em overdoses
de espumas silhuetas

basta! (es)cravo
[n]o esqueleto oco que (se) estilhaça

[n]as dobras duras das sobrancelhas
que brado sobre um céu espumado

de velhos corvos – onde eu solspiro
mil centelhas pelas treliças do tédio

esse nocivo gozo e sorri
dente esboço da vida turva

o que é difícil e inútil
mas que esmigalha e estorva

o que é fácil e fútil
mas que vasculha e transtorna

conciso vício de úmidas vulvas
no fundo do (f)osso – há (dú)vidas:

horizontem noturnos – entre ruídos raros
de (a) mor cego(s) e cabeleiras (r) uivas

em imensos fôlegos – tremo-te: grãos
de (ex)cravos nos olhos da ampulheta

hirsuto cintilas guelras de aço viole(n)ta
chuva ácida abrindo gretas
de ouro-espinho

em veludo negro florvalhando
álacres galhos da escassa cereja

corpo albatroz ouriçando a mariposa
de linho dourado
– veja:

ardo em grinalgas andarilhas

espátulas de lótus como a fruta podre
ou a ma(r)remota medula ferrugem

de madeira moura tombada
em ternura núbia

nu vens em mim sentir (o)dor
esgarçando-se nos rins do orvalho

estrelas anônimas

vê: sinta o mesmo cor céu
contemplando medusas semiluas

no mar istmo sa(n)gra(na)do
de (ma)estrias salamandras:

“...

filigranas pétalas de mármore
vertem pedras filiformes
meandros de metal

...”

*

o barman

viva o dia em movimento onde o silêncio se vê mínimo
breve oceano de grãos no poema árido
nadando em ondas de mármore

***

imagem: "vapor aquoso" (fotografia) by Mehmet Ozgur 


o vento

o que me acorda
no meio da noite
são as asas do vento
que roubam do meu armário
as fotos por onde morei
as estrelas que adormeciam pelo chão
e os dilúvios que passavam
sobre os meus caminhos

e era como uma rua
que não via seus vultos nem rosas
passeando pelas enormes calçadas
assim como quem vai a praça
e não lembra de olhar
os olhos das crianças

e os seus amigos
sem perfumes e mulheres
já não guardam os seus quintais
sombras de cadeiras
varal com roupas dos vizinhos
e o adormecer das cobras
e os seus pés errantes

e a brisa que vem do mar
acumula pelos tapumes e telhas
sua memória
ri do rio e suas métricas
como um lagarto que voa
sem sua sombra e paz

e o vento
que da janela de um trem
invade lençois e colchões
cemitérios e cisternas
pede um pouco d'água
como promessa
de quem
já se esqueceu de sonhar.

Cgurgel 


VIDA INTRAVENOSA

Enviei uma sonda espa(e)cial por baixo da pele
à procura de vida intraepitelial
nos caminhos molhados das veias vermelhas,
nas estranhas entranhas
entre meus mundos tão fundos,
nas bordas das vísceras,
nas míseras cavidades naturais,
nos contornos das pálpebras caídas,
nos globos oculares depois dos óculos,
nos glóbulos brancos,
nos ósculos, nos óvulos,
nas cavernas palatais,
nas hérnias inguinais,
nas minhas dores viscerais.
A sonda rondou cada milímetro cúbico
dos meus infernos passionais,
descobriu vida desconhecida
fazendo usucapião em minha aorta:
revelada vida intravenosa
em contravenção silenciosa
entre a veia cava superior
e a caverna escura
por onde imagens sobrepostas
trazem da realidade o véu
viscoso véu que me obscurece a compreensão
- às expensas de Platão -

De volta para casa
quero vida especial
depois da pele
por onde nascerem
- supostas -
as minhas asas.

(Nic Cardeal, 14.01.2019)


📸 imagem do Pinterest


caminhou lentamente
com areia entre os dedos
afundando o peso da dor

cabelos emaranhados
pés molhados
lambidos pela imensidão

contemplou

desejou matar a sede
desidratando o passado

se entregou

sabia nadar
o mar
ensinou a boiar.

Flávia Gomes


para esta tarde de domingo, com mormaço e chuva

 interrogar as fronteiras

entre macho e fêmea

da linguagem

multiplicar os territórios

de indefinição comunitária

tocar na pele polifônica

de todos os sentidos

em alerta

erodir tudo ao redor

do abismo

deixar apenas

teu corpo

em sobrecarga

no mercado

das palavras

e que só o barulho do silencio

te atravesse

agora

 

Herbert Valente de Oliveira 



 

 

 

hoje

o maior desafio

                          permanecer Nu cio

 

 

 

Ando alpha

Quase beta

Meu destino ser poeta

                     

 

 A mulher dos sonhos

 

ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em  entre linhas  salta das metáforas por entre portas e janelas

 

no poema o que ficou?

para

Cesar Augusto de Carvalho



no poema ficou caco de vidros

azulejando nos azuis

no poema ficou o corte mais aberto

o sangue mais secreto

tanto mal secando blues

 

no poema ficou a língua cega

a faca desdentada

a fome afiada onde era mel agora é pus

no poema ficou o obsceno não sagrado

o beijo ensanguentado

o abstrato do concreto

no poema ficou um objeto

um soneto esfacelado

um hiato no decreto

 

no poema ficou mais um retalho

mais um trapo do espantalho

nesse circo abjeto

no poema ficou o sangue amargo

numa noite quase nada

num curral analfabeto

 

no poema ficou a escuridão

nuvens de cinzas

onde antes era luz

 

no poema eu fiquei de pé quebrado

no velório esquartejado

nessa terra  de  tanta cruz

 


Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião

 

O poeta pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento

 

há séculos

não está pra peixe este mar

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

 

linhas de nylon

degolam tartarugas

que morrem náufragas

na Av. atlântica

o poeta cata os cacos que restaram

desta pátria desossada

 

 

arde em mim

um rio

de palavras

 

corpo larvas erupção

mar de fogo

vulcão

 

 

 

no romance do Poema

Mário Faustino traçou o seu destino

 

FederikaLispector

 

havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo

 

Herbert Valente de Oliveira

 

 

Irreverência ou Morte!

Gigi Mocidade

 

escrevo para não morrer antes da morte

Federico Baudelaire

 

 

o poema é um lance de dados

mas não fugirá ao acaso

 

Stéphane Mallarmè

 

 

linguagem toda viagem

 

imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia. muitas vezes imagens me levam a viajar -  como deve ser escrever para não enlouquecer ¿  muitas vezes algas que ela  traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho. 


poema

 

o poema pode ser  um beijo em tua boca a orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró  o assassinato de Lorca o poema pode ser  o que vai o que não fica Lupicínio na Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso

 

 o

                           Delírio é a Lira do Poeta

se o Poeta não Delira

sua Lira não Profeta

                                          

Artur Fulinaíma

 

 

ando tendo sonhos antropológicos que mais parecem pesadelos e a desgraça é tanta que dói até nos cotovelos

 

poesia

à flor da barra

 

amor à primeira vista

meu livro vermelho de sangue

Ouro Preto na contra capa

a musa morta no mangue

rosa vermelha no altar

desejo paixão fogo brasa

incêndio na minha casa

para nunca mais se apagar

 

poema 1

 

o que você faria

se soubesse que és musa

de dois poetas tortos ¿

 

um visivelmente você sabe

o outro se oculta

por trás da lua nova

quando deita rede na varanda

               com sua luz de zinco prata

 

o que você faria

se hoje eu te dissesse

que o tempo tarda mas não finda

e que a lua só é nova

porque se preservou dentro da mata

                                      curuminha ainda ¿

 

poema 2

 

esse poema mora dentro de ti

entre pele pelos músculos nervos ossos

quase pronto      mas sempre inacabado

não importa o caminho que o tempo

o disperse em curvas de distâncias

ou que o carinho não baste

quando é sede e fome que que se tem no  corpo

 

não sei por quantas vezes

nem sei por quantos anos

um pássaro leva para se abrigar no ninho

ou para fazer de um fio elétrico

o seu lugar de pouso

quando quase tudo no poema ainda está por vir

só sei que pode sol e chuva atrapalhar o canto

mas será sempre no teu colo que ele

                                                             um dia irá dormir


                                         

poema 3

 

o homem com a flor na boca

faz dos seus versos

poesia um tanto prosa

 

tem na pele o couro cru

e um parangolé

pendurado no pescoço

onde pensamos nervos

no seu corpo -  ali  é osso

 

tua língua atravessa

o pontal das coxas

quando o leito do seu rio

transborda um oceano

 

carrega espinhos na carne

como fossem pétalas de rosa

com os dentes rasga da musa

 - todo pano - e ali mesmo goza

 


poema 4

 

meus olhos atravessam
as lentes - o peixe
e caminham em direção a luz
que está do outro lado
o infinito
que me espera com seus
olhos d´água

 

ela virá com sua boca
de batom marrom vermelho
e eu espero
com minhas 7 línguas
atrás da porta

com o mel e o veneno
a pimenta e o azeite
vamos devorar o peixe
no caldeirão incandescente
em nossas línguas
só flechas - o fogo
                     a águardente –

 

 

poema 5

para Jorge Ventura

 

a faca não cala do poema a fala

Dionísio Neto de Bacco

quem sabe filho de Zeus

jantou comigo a Santa Ceia

na casa de Prometeus

nas madrugada de Bento

lambeu o vinho nos seios

das Bacantes no convento

por todos poros do corpo

por todos pelos  e meios

depois grafitou nas vidraças

com dedos de diamantes

a Rosa de Hirochima

num coração estudante

  depois de romper o dia

 por volta da seis e meia

era um coração de poeta

          com poesia na veia

 



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