Fotografia
Urbana
Mostra Visual de Poesia Brasileira
Em 1982 com Fotografia Urbana, parceria com Paulo Ciranda vencemos o Festival
dos Festivais de Itaocara-RJ. Em 1981 quando Fotografia Urbana foi composta,
Ciranda morava em Sampa, no apartamento do seu irmão Zilmar Araújo, no bairro
Perdizes, Rua Caiubi.
Pela janela do quarto onde criamos a canção, víamos o famigerado
minhocão que nos inspirou essa letra:
tem viaduto
na janela do meu quarto
velocidade na avenida São João
me dá um medo dos cabelos
da pequena alvoroçados
na imensa solidão
ai que maldade
ver nos cantos da cidade
é tanta gente dando vida
pelo pão
me dê um beijo meu amor
me feche os olhos
pra ver se eu vejo mais bonito esse chão
eu vim pra ver a lua prateada
vim mas não vi
eu vejo é uma lágrima afiada
chorando nossas vida por aqui
tem muita gente pendurada pelas portas
e pelas costas muitas vezes um ladrão
até parece que no meio da verdade
é só mentira enganando a multidão
tem pouca coisa na janela do meu quarto
mas o que tem me atormenta o coração
me dê um beijo meu amor
me dê seus olhos
pra ver se eu vejo mais bonito esse chão
eu vim para ver a lua prateada
vim mas não vi
eu vejo é uma lágrima afiada
chorando nossas vidas por aqui
Em 1983, mesmo dirigindo Oficina de Teatro na então ETFC, ainda trabalhava como linotipista na Tipografia onde criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira.
Mas isso é assunto pra próxima postagem porque a MVPB é
responsável pela virada na minha poética e no meu olhar sobre a produção de poesia
contemporânea no Brasil e no planeta.
Artur
Gomes
50 Anos de Poesia
Memória e Resistência
Trajetória Multilinguagens
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da cana
o açúcar
o melado
a rapa dura
o chuvisco da gema do ovo
e a minha língua sacana
falando a língua do povo
Artur Gomes
50 Anos de Poesia
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nos quartos do Hotel Vinocap
por muitas noites/madrugadas
bebi da solidão nos olhos dela
que esperou pro seis anos
para saciar a minha sede
alimentar a minha fome
entrar na minha vida
fazer parte dessa história
dela tenho oculto o nome
que levarei para eternidade
como registro de memória
e que depois de vinte anos
ainda arde quando aflora
Artur Gomes
www.fulinaimargem.blogspot.com
para Gigi Mocidade
procuro uma menina
que seja assim quase criança
que seja assim quase mulher
procuro uma menina
que saiba bem a diferença
entre o mal e o bem-me-quer
que saiba bem a flor que cheira
pra desfolhar o mal-me-quer
sabendo tudo brincadeira
saiba beijar o que ela quer
saiba que o beijo é um desejo
que nasce da flor quando mulher
saiba que o desejo quando beijo
não é por um amor qualquer
Artur Gomes
Erótika
minha língua
entre tuas coxas
lambuzando tua Flor de Lótus
de saliva
tudo em couro cru
tudo em carne viva
Artur Gomes
jura secreta 27
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Artur Gomes
50 Anos de Poesia
Sagaranagens Fulinaímicas
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
EntriDentes 5
ou uma segunda a tarde em Campos dos Goytacazes
o grito
desestrutura o silêncio
atrás da porta
a lâmina acesa
sangra
sob a luz do abajour lilás
a faca escreve
a palavra morta
dois gumes
na noite que estremece
a voz que cala
e o assassino
limpa a lâmina
como quem come
sua última refeição
Artur Gomes Gumes
SagaraNAgens
Fulinaímicas
beber desse conhac em tua boca
para matar a febre nas entranhas
entredentes
indecente é uma forma que te como
bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta outra qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
Artur Gomes
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jura secreta 14
eu te desejo flores
lírios brancos margaridas
girassóis
rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro
teu perfume
teu sabor, teu suor
tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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meta metáfora
no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico plumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em plumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas íntimas que vestias
sobre os teus pêlos ficção
todos os laços dos tecidos
e aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
e o sabor da tua língua
e o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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aos olhos de Wermmer o amor é natural
como a menina dos brincos de pérola
na pétala do moinho de ventos
imagem: Jose Cesar Castro
te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode doer pode sangrar
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
porque te amo
no mar no sal no sol na neve
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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diante do espelho sou
e sempre serei outra
agora o que não sou
fica do outro lado de fora
a lâmina acesa, a brasa
o sal do suor do cio
o mar entre minhas coxas
e mangue entre minhas pernas
os caranguejos que me invadem
sempre que me olham
Gigi Mocidade
www.porradalirica.blogspot.com
diante do Espelho fico zen
chamo zeca baleiro de meu bem
canto a mama canto o papa
canto o negão do rappa
canto até quem não conheço
e não preciso de endereço
pra mandar cartão postal
canto a mina da esquina
que se chama Lys Cabral
Federika Lispector
www.personasarturianas.blogspot.com
osso. a ponte quebrada não me leva para o outro lado. olho o espelho
d´água e tenho certeza que vou me afogar. engoli o
vento da primeira madrugada a casa era caco de vidros. minha filha vaza os pés
em rio da ostras. nunca mais pensei o mangue como a morada dos peixes e o canal
passava atrás da varanda da cozinha. hoje estou sóbria muito mais que
embriagada pela maresia com esse cheiro de sexo evaporando pelo olhos e o corpo
tremendo de susto por não ter com quem gozar.
jura secreta 98
fosse quântico esse dia
calmo claro intenso inteiro
20 de fevereiro
sendo assim esperaria
mesmo que em meio a tarde
TROVOADAS tempestades
insanidades guerras frias
iniqüidade
angústia
agonia
mesmo assim esperaria
20 horas
20 noites
20 anos
20 dias
até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado
Clarice Lispector
Pele
Um favo de mel na boca
um torrão de sal na anca
roubam para a pele o calor de animais
simples e vorazes
soltos como numa catedral
pele de asno
pele de mel
pele de água
Olga Savary
algumas imagens permanecem na medula da memória e me mantém vivo. ontem
mesmo te vi à beira mar e mesmo não estando foi como se estivesse tatuada em
minha pele com letras de sol e sal nos raios de luz do luar beijei teu nome nas
algas e mergulhei no teu olhar.
foto: Artur Gomes Gumes no Pontal de Atafona
jura secreta 115
este teu olho que me olha
azul safira
ou mesmo verde esmeralda fosse
pedra – pétala rara
carne da matéria doce
ou mesmo apenas fosse
esse teu olho que me molha
quando me entregas do mar
toda alga que me trouxe
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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a flor da tua pele
me provoca
me toca
e não sei o que fazer
me perco nas esquinas
do teu corpo
em noites de lua nova
como uma prova de física
que eu nunca soube resolver
Federika Lispector
Jura secreta 101
as orquídeas ainda são azuis
girassóis relâmpagos na chuva
na surpresa dentro a tempestade
dessa manhã que finda
pimenta tua boca em chamas
incendeia meus lençóis profana
essa linguagem como arco-íris
como fosse pulsação que arde
nas entranhas dessa luz de fogo
nos meus dentes mastigando a tarde
Artur
Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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a lama
é o espelho do Brasil
e a Vale
é a puta que pariu
Federika Lispector
esse vinho em minha boca
me lembra o beijo
no papel de pão
guardado nos vinhedos
de um espelho em vão
Oswald de Andrade
imagem: Jose Cesar Castro
jura secreta
102
a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã quando arquiteta
o salto da abelha quando mel em flor
e pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando a pele que veste é nada
éter pluma seda pelo
quando custa estar em arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
no sol de Amsterdã desvendar Hollandas
e os mistérios da palavra por entre os cotovelos
Artur
Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua da minha boca
não cubra mais tua ferida.
amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
Artur Gomes
tecidos sobre a pele
Suor & Cio – 1985
Pátria A(r )mada 2002
www.arturgumesfulinaima.blogspot.com
Movimento Dos
Barcos
Jards Macalé/Wally Salomão
Tô cansado
E você também
Vou sair sem abrir a porta
E não voltar nunca mais
Desculpe a paz que eu lhe roubei
E o futuro esperado que eu não dei
É impossível levar um barco sem temporais
E suportar a vida como um momento além do cais
Que passa ao largo
Do nosso corpo
Não quero ficar dando adeus
Às coisas passando, eu quero
É passar com elas, eu quero
E não deixar nada mais do que as cinzas de um
cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo
Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando,
não
Lamentando o eterno movimento
Movimento dos barcos, movimento
ouça aqui
https://www.youtube.com/watch?v=oNr6aP_xnUY
jura secreta
103
a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho pra o submundo
o poço onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
ao nervo mais íntimo do osso
Artur
Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
Sede
eu tenho sede de água
eu tenho sede de mar
girassol nos meus cabelos
espuma de sal esperma e pelos
por onde eu possa delirar
eu tenho sede de sexo
em noites claras de luar
Gigi Mocidade
Electra
Electra era filha de Agamenon, rei de Micenas, que
na época era a mais poderosa cidade grega, e de sua esposa, Clitemnestra.
Quando Agamenon partiu para liderar o exército grego na Guerra de Troia,
Clitemnestra tornou-se amante de Egisto, primo do marido. Mais de dez anos
depois, quando Agamenon voltou vitorioso, Egisto e Clitemnestra tramaram um
plano para eliminá-lo: organizaram um banquete em homenagem ao rei e, durante a
festa, Egisto assassinou o primo à traição. Electra então fugiu de Micenas
levando o irmão pequeno, Orestes, e o educou longe da corte, ensinando-o a
acreditar que sua missão na vida era vingar a morte do pai. Anos depois, já
adulto, Orestes voltou com Electra à cidade natal, onde o rapaz matou tanto
Egisto quanto a própria mãe, Clitemnestra. Matricídio era considerado um crime
tão grave que, segundo a lenda, a própria deusa Atena (que os romanos mais
tarde cultuaram com o nome de Minerva) foi chamada para presidir o julgamento
de Orestes. Por um lado, matar a própria mãe era uma coisa horrível, por outro,
a morta também era culpada de um crime hediondo, o de tramar a morte do próprio
marido. Por isso, o júri ficou tão dividido que houve um empate: metade a favor
de sentenciar Orestes à morte, a outra metade a favor de inocentá-lo. A própria
Minerva votou pela absolvição de Orestes, que assim saiu livre e tornou-se o
novo rei de Micenas. Essa é a origem da expressão "voto de Minerva",
que quer dizer o voto que representa a decisão numa situação indefinida.
Ítaca
O SIGNIFICADO DE ÍTACA (*)
Quando você partir, em direção a Ítaca, que sua
jornada seja longa, plena de aventuras, repleta de conhecimento. Não tema
Laestrigones e Ciclopes nem o irascível Poseidon; você não irá encontrá-los
durante o caminho, se o pensamento estiver elevado, se a emoção jamais
abandonar seu corpo e seu espírito. Laestrigones e Ciclopes, e o enfurecido
Poseidon não estarão em seu caminho se você não carregá-los em sua alma, se sua
alma não os colocar diante de seus passos. Espero que sua estrada seja longa.
Que sejam muitas as manhãs de verão, que o êxtase de ver os primeiros portos,
entre o Crepúsculo e a Aurora, traga uma alegria nunca experimentada. Busque
visitar os empórios da Fenícia, recolha o que há de melhor. Vá às cidades do
Egito, aprenda com um povo que tem tanto a ensinar. Não perca Ítaca de vista,
pois chegar lá é o seu destino. Mas não apresse os seus passos; é melhor que a
jornada demore muitos anos e seu barco só ancore na ilha quando você já estiver
enriquecido com o que conheceu no caminho. Não espere que Ítaca lhe dê mais
riquezas. Ítaca já lhe deu uma bela viagem; sem Ítaca, você jamais teria
partido. Ela já lhe deu tudo, e nada mais pode lhe dar. Se no final, você achar
que Ítaca é pobre, não pense que ela o enganou. Porque você tornou-se um sábio,
viveu uma vida intensa, e este é o significado de Ítaca.
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